25 fevereiro 2008

Os abusos das teles e a impotência dos consumidores.

Você, assim como eu e qualquer pessoa, deve estar acostumado a assistir tevê e ver as bonitas propagandas que as empresas de telefonia veiculam o tempo todo. São anúncios milionários, muitos em horários nobres (e caríssimos) dos canais de tevê e que fazem ofertas vantajosas para o consumidor, prometem serviços de primeira linha etc.
Cá no mundo real – novamente tanto seu quanto meu ou que qualquer consumidor – as coisas são muito diferentes. Essas empresas são líderes, mas não em qualidade dos serviços prestados, são as primeiras no ranking de reclamações dos Procons. E porque ? É fácil saber. Basta você ter algum tipo de problema e tentar solucionar via fone (!) ou outro meio que saberá.
São casos de cobrança de linhas telefônicas canceladas, com ameaçadas de negativação aos consumidores, casos de cobrança de ligações que não foram feitas, de serviços que não foram prestados ou que foram sem a prévia autorização do consumidor e mais: quando o consumidor tem problemas com os serviços, o tempo de resposta é alto ou simplesmente não acontece!
Pior de tudo é que não estou exagerando. Vou narrar apenas um caso. (Os Procons têm milhares deles). Este está ocorrendo neste instante com uma escola de educação infantil localizada no Sumarezinho na Capital de São Paulo. Segunda-feira da semana passada, o serviço de linha fixa e de banda larga pago pela escola, parou de funcionar. A Diretora fez a solicitação de conserto. Logo, no primeiro momento foi oferecido um serviço de seguro mensal para atendimento “gratuito” dos consertos (Anote que nisso eles são bons: faturar!). A Diretora aceitou. No dia seguinte, terça-feira, apareceu na escola um prestador de serviço para fazer o conserto. Para desalento da Diretora, o funcionário disse que só estava lá para tratar da linha fixa. Não entendia nada de banda larga. “Isso é com outro setor”, disse.
Muito bem. Consertou a linha fixa. Bom o serviço? Foi o que a Diretora pensou na hora. Mas, no momento em que publico este artigo, uma semana depois da primeira reclamação e pedido de socorro, o serviço de banda larga ainda não está funcionando. Ninguém apareceu para consertá-lo com ou sem seguro.
Naquela terça-feira o serviço telefônico para reclamações foi acionado novamente. Disseram “A Senhora tem que aguardar 24, 48 horas”. Passaram mais 48 horas e na quinta feira, foi feita nova reclamação, já no desespero da Direção da Escola. Repetiram a mesma ladinha: “Esperar 24, 48 horas”. Sexta-feira foi feita nova tentativa e nada!
Quem já passou por isso sabe. A pessoa que atende do outro lado da linha é qualquer atendente do serviço de tele-marketing. O consumidor que liga mais de uma vez, não pode falar com o atendente anterior e os registros das reclamações são curtos e mal feitos. Conclusão: o consumidor perde muito tempo de sua vida profissional ou pessoal, porque toda vez tem que contar a história inteira do problema e quando reclama mais de uma vez ainda é obrigado a repetir o que fez na reclamação anterior. Um serviço oferecido da pior qualidade.
E estou narrando a história urgente da Escola, mas a verdade é que todo e qualquer consumidor tem direito a ter seu serviço restabelecido de forma rápida e eficaz. Afinal, paga mensalmente para isso. Não só a escola mais todo consumidor que fica sem o serviço por falha técnica ou outro problema acaba sendo cobrado na fatura mensal, como se o serviço tivesse sido prestado. Serviço de quinta categoria e cobrança abusiva.
Infelizmente, o consumidor praticamente não tem opções nesse sistema em que os grande conglomerados, muitos internacionais, exploram a atividade econômica em nosso país. As agências reguladoras criadas para exercer fiscalização, fazem muito pouco (nem preciso me estender nesse assunto, porque é sabido de todos como funcionam mal: Fico com o exemplo da Anac e a situação dos aeroportos brasileiros). No campo da concorrência, nessa área, ela é muito limitada e os serviços são similares, de modo que quase não há saída.
O jeito é o consumidor se socorrer da Justiça. Vejo aqui uma possibilidade, mas que somente terá realmente efeito sobre as companhias violadoras dos direitos dos consumidores, no dia em que as decisões judiciais deixarem de ser tímidas (como ainda são) e passarem a condenar essas Corporações com indenizações de valores vultosos. Esse é o modelo que funciona nas questões de consumo de massa.
É importante lembrar que, em países de capitalismo mais avançado, como, por exemplo, nos Estados Unidos, o Judiciário conseguiu gerar respeito aos direitos dos consumidores. As famosas condenações milionárias fizeram com que as Corporações resolvessem melhorar as condições de atendimento de seus serviços, assim como a qualidade de seus produtos.
O sistema jurídico brasileiro permite isso. Para tanto, á preciso dar ênfase ao aspecto punitivo nas questões envolvendo danos morais. Sucintamente, comentarei o assunto. Com regra geral, o judiciário, para a fixação do valor da indenização, têm levado em conta o seguinte:
a) a natureza específica da ofensa sofrida;
b) a intensidade real, concreta, efetiva do sofrimento do consumidor ofendido;
c) a repercussão da ofensa, no meio social em que vive o ofendido;
d) a existência do dolo – má-fé – por parte do ofensor, na prática do ato danoso e o grau de sua culpa;
e) a situação econômica do ofensor;
f) a capacidade e a possibilidade real e efetiva do ofensor voltar a praticar e/ou vir a ser responsabilizado pelo mesmo fato danoso;
g) a prática anterior do ofensor relativa ao mesmo fato danoso, ou seja, se ele já cometeu a mesma falta;
h) as práticas atenuantes realizadas pelo ofensor visando diminuir a dor do ofendido;
i) necessidade de punição.

Nas questões de consumo, em que estão envolvidas as grandes Corporações que faturam milhões oferecendo serviços e produtos massificados, é o aspecto punitivo o mais importante a ser considerado pelo magistrado. Sua função não é satisfazer a vítima, mas servir de freio ao infrator para que ele não volte a incidir no mesmo erro.
Tem que ser considerado o fato de que, se o infrator não for severamente punido, poderá não tomar nenhuma providência para que o mesmo evento não torne a ocorrer. E o risco de causar o mesmo dano para dezenas, centenas de consumidores existe, ele é real. Por isso, o quantum deve ser elevado. A condenação tem que poder educar o infrator, que potencialmente pode voltar a causar o mesmo dano.
Enquanto isso não acontece, fica a pergunta: você acredita que as corporações prestadoras de serviços de telefonia, financeira, de abastecimento, de transporte etc irão, por espontânea vontade melhorar a qualidade de seus produtos e serviços, evitando que os consumidores sofram danos, corrigindo erros e atendendo rápida e eficazmente as reclamações?
Eu não acredito. Penso que continuaremos assistindo a dois mundos: o virtual da tevê onde tudo funciona e o real, onde vivemos e sofremos os abusos.

18 fevereiro 2008

Em pleno século XXI os trotes continuam.

Em pleno século XXI os trotes continuam

Quando ingressei na Universidade em 1976, na PUC/SP, os veteranos, homens e mulheres, ainda maltratavam os calouros na pratica do chamado trote: um modo fascista de receber aqueles que ingressavam nas faculdades.

Naquela época eu pensava que aquilo era um modo muito estranho de dar boas vindas. Não só eu, mas muitos de nós, achávamos uma contradição os jovens ingressarem na faculdade -- um restrito setor da elite brasileira – e se mostrarem tão mal educados: ao invés de agradecer ao privilégio e dar as boas vindas aos ingressantes, agiam como bárbaros, arrogantes e sádicos. Os trotes eram generalizados, sendo praticados em quase todas as escolas.

Felizmente, isso mudou: são muitas as escolas que não só proíbem os trotes violentos e violadores, como vários Centros Acadêmicos, cônscios de suas responsabilidades como guardiões dos direitos e das liberdades também os combatem. Muitas escolas e CA, por exemplo, substituíram esse tipo de delito pelos chamados “trotes solidários”: organizam festas de recepção, shows, teatros nos quais os calouros não só participam como distribuem produtos alimentícios, medicamentos e roupas para serem doados à Instituições de Caridade. Conheço escolas em que os veteranos montam grupos de recepção para integrar os calouros na vida universitária, mostrando o funcionamento efetivo do campus, o método de ensino, as condições reais de estudo, explicando as regras vigentes etc. Isso é mesmo muito bom.

Todavia, infelizmente, nesta semana foi possível verificar-se pelas ruas de São Paulo que ainda se pratica a céu aberto o trote violento – física, moral e psíquicamente – com a conivência das autoridades e escolas. Para quem não sabe, esse tipo de prática é criminosa e está prevista em nossa legislação penal. É possível também ao calouro-vítima buscar ressarcimento na esfera cível. Veja.

Não preciso, naturalmente, referir os casos-limite que tornaram-se publicamente conhecidos, como o da década de noventa passada num campus do interior do Estado de São Paulo, onde veteranos jogaram ácido no rosto de duas calouras provocando queimaduras graves ou do calouro que morreu na piscina da USP, crimes graves e que efetivamente restaram investigados. Citarei os demais casos que também são tipificados como crimes.

Pois bem. Cortar o cabelo total ou parcialmente do calouro ou da caloura contra sua vontade caracteriza crime de lesão corporal (art. 129 do Código Penal). O mesmo ocorre cortando-se a barba total ou parcialmente do calouro.
Humilhar o calouro ridicularizando-o publicamente, pintando seu corpo, fazendo “cavalgada” (modo esdrúxulo do veterano sentar sobre o calouro de quatro ao solo fingindo ser um cavalo, um jumento ou um burro), amarrar o calouro, faze-lo gatinhar pelas ruas, faze-los andar um colado no outro como um centopéia e todos os outros métodos sádicos e degradantes semelhantes são caracterizados como crime de injúria (Artigo 140 do CP).
Obrigar o calouro a ingerir bebida alcoólica contra sua vontade é crime de constrangimento ilegal (art. 146 do CP) e se esse tipo de ação é praticada por mais de três pessoas (como normalmente ocorre) o crime é qualificado e tem a pena aumentada. Se, por acaso, o calouro resiste e não bebe o crime pode ser caracterizado como de tentativa (art. 14, II do CP).
Haverá outros crimes que possam ser praticados, além daqueles em que são cometidos assassinatos. E, anoto, também, que os delitos podem ser considerados em concurso, isto é, o veterano pode ser condenado com incurso em mais de um crime simultaneamente.
Um ponto merece destaque: o da participação das Escolas. É incrível, mas algumas instituições de ensino simplesmente não tratam dessa questão. Agem como se não fossem problemas deles, com a alegação de que o que ocorre fora do campus não é do interesse e responsabilidade deles. Mas, não é bem assim.
Primeiramente, anote-se que a obrigação moral é evidente. O trote só ocorre porque existe a escola, os calouros e os veteranos. Depois, é possível sim buscar responsabilizar a escola civilmente por faltar com seu dever de vigilância. Esse ponto, é verdade, é discutível especialmente quando o evento ocorre fora do campus. No entanto, é preciso lembrar que o mínimo que a Escola pode fazer é proibir o trote e nos primeiros dias de aula distribuir avisos pelo campus e para os calouros dizendo como eles devem agir para se proteger dos atos violentos praticados pelos veteranos. A denúncia dos calouros e a punição administrativa dos veteranos com suspensões e até expulsões tem funcionado muito bem onde praticado. A punição exemplar é, nesses casos, muito eficaz.
Não se deve esquecer que nem sempre os calouros querem participar desse tipo de masoquismo explícito. É preciso oferecer a eles um meio de se proteger. É preciso que eles possam gritar e serem ouvidos. Claro que, nesse ponto, também, as autoridades policiais têm se omitido, uma vez que muitos trotes são feitos em praça pública (literalmente), ruas e avenidas.
Realmente, assistindo às cenas, fica difícil acreditar que aqueles veteranos que estudam em conhecidas escolas de Direito, Medicina, Sociologia, Engenharia etc possam um dia exercer tais profissões com dignidade. Começam muito mal sua vida acadêmica e social. São antes trogloditas que modernos estudantes universitários. Será que os anos restantes de escola retiram deles a fúria delituosa, a vontade de humilhar seu próximo? Espero que sim, mas tenho minhas dúvidas.

11 fevereiro 2008

Seu veículo foi roubado dentro do estacionamento? Veja o que fazer.

Um dos principais atrativos dos grandes supermercados e shopping-centers é, sem dúvida, o estacionamento oferecido, pois gera comodidade, segurança, praticidade para as compras etc. Infelizmente, apesar da aparente tranqüilidade com esse tipo de serviço, o consumidor não está livre de sofrer danos, que envolvem desde o roubo ou furto do veículo[1] até batidas e arranhões nas latarias e furto de objetos do interior do veículo. Veja, pois, a seguir quais são seus direitos acaso venha a sofrer algum dano nessas condições.
Alguns supermercados e shoppings centers mantêm contrato de seguro contra roubo e furto de veículos estacionados em suas localidades. Na capital de São Paulo, por exemplo, uma lei municipal estabelece a obrigatoriedade do seguro para shoppings, supermercados e lojas de departamento que tenham número de vagas superior a cinqüenta. Contudo, com ou sem seguro, não há garantia absoluta ao consumidor de que ele irá ser ressarcido dos prejuízos que sofrer com o roubo ou furto.

• De quem é a responsabilidade
A responsabilidade pela guarda do veículo é do estabelecimento (shopping center, supermercado, loja de departamento, restaurante etc.), quer ele mantenha contrato de seguro, quer não.

O direito à indenização pelo roubo do veículo em estacionamentos vem há muito tempo sendo reconhecido pelos tribunais brasileiros.


• Cartazes que excluem responsabilidade não têm validade
Aquelas tabuletas ou cartazes que alguns estacionamentos afixam dizendo que não se responsabilizam por furto ou roubo têm sido, inclusive, repelidas pelos juízes, uma vez que são ilegais. O mesmo vale para os avisos impressos diretamente no ticket.
• Você deve ter provas
O fato é que, com ou sem seguro as circunstâncias continuam sendo as mesmas: o consumidor terá que provar que havia colocado o carro no local de onde foi levado. Essa é a grande dificuldade para ele receber a indenização pelo roubo ou furto, uma vez que é usual na ação judicial que o empresário responsável, bem como a companhia de seguros, simplesmente conteste o pedido, negando que o consumidor tenha estado no estacionamento.
• Produza as provas
Ê Testemunhas
Assim, se você passar por esse dissabor ou quiser saber como agir, observe que as testemunhas são muito importantes. Se você estiver acompanhado de alguém no dia do roubo, já ajuda, principalmente se a pessoa não for seu parente. O ideal é descobrir no estacionamento alguém que tenha assistido ao roubo ou furto, ou mesmo obter da segurança local uma declaração nesse sentido.
Ê Nota fiscal e boletim de ocorrência
É necessário, também, guardar o canhoto ou a nota fiscal das compras efetuadas naquele dia. Deve ser lavrado o boletim de ocorrência na Delegacia correspondente ao local e, se possível, levar as testemunhas, pois uma vinculação dos fatos na hora em que eles aconteceram é muito boa.
Ê Guarde o “ticket” de entrada
Nos estabelecimentos que fornecem na entrada do estacionamento um ticket de controle, este não deve ser devolvido, em hipótese alguma. Ele é uma prova fundamental.
Nesses estabelecimentos os problemas do consumidor são reduzidos por dois motivos: primeiro porque em caso de roubo do veículo o próprio ticket serve de prova ao consumidor de que ele havia deixado lá seu veículo. Segundo, porque novamente só o fato de o estabelecimento estar controlando a entrada e saída de veículos diminui em muito a possibilidade de furto.
• Os danos
Tudo o que está dito aqui vale tanto para furto/roubo de veículo, quanto para batidas na lataria ocasionadas por manobristas ou por terceiros e também para furto/roubo de objetos deixados dentro do veículo.
• Batidas
No caso de batidas, a prova do ocorrido é ainda mais difícil. Explico: se o amassado do veículo for bastante grande e, por exemplo, ele não andar mais, ainda dá para fazer uma boa prova com testemunhas. Todavia, se for pequena ou apenas arranhões, o estabelecimento pode simplesmente negar a ocorrência, dizendo que o veículo já estava daquele jeito.
Em caso de danos na lataria, antes de retirar o veículo do local, tire fotos das partes danificadas. Foque o veículo e depois com alguma distância foque-o mostrando o local em que está estacionado.
• Objetos no interior do veículo
Com objetos deixados no interior do veículo é comum também que o estabelecimento simplesmente negue o furto.
Por isso, pelo menos no que diz respeito aos objetos, o melhor conselho é o de que não se deve, em hipótese alguma, deixar nenhum objeto de valor dentro do veículo.


• Aja rapidamente

Claro que, não há necessidade de propor ação judicial para receber a indenização devida. O pedido deve ser feito administrativamente junto ao responsável. No entanto, se o estabelecimento se negar a indenizá-lo ou você perceber que estão “enrolando”, procure imediatamente um órgão de defesa do consumidor ou advogado de confiança.

• Outros estacionamentos

Os direitos que o consumidor tem ao deixar seu veículo estacionado num shopping-center são os mesmos no caso dele coloca-lo num estacionamento regular. E, do mesmo modo, com ou sem seguro, o consumidor deve tomar todas as providências e cautelas que acima narrei. A empresa que explora o estacionamento é a responsável pela indenização.
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[1] Roubo é a subtração da coisa alheia mediante grave ameaça ou uso de violência (com uso de arma, agressão etc) Furto é a subtração da coisa alheia sem uso de violência. Por exemplo, de um carro estacionado aberto com a chave dentro, sem o dono por perto.

04 fevereiro 2008

As bebidas alcoólicas e o consumidor.

Fiquei bastante surpreso ao ler um artigo criticando a Medida Provisória nº 415 do Presidente da República que proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas em estradas federais. Mais surpreso ainda fiquei ao ler a notícia de que uma liminar havia liberado a venda. Afinal, o que pretendem os críticos, que os motoristas realmente possam parar na estrada para irem ao banheiro e aproveitando a oportunidade se embebedem? Ou tomem um drinkzinho ingênuo? Ou uma mera cervejinha? Ora, estrada, bebidas alcoólicas e veículos jamais combinaram. Pensemos no assunto.

Ninguém dúvida do mal que as bebidas alcoólicas fazem e, particularmente, nós consumeristas, temos combatido fortemente os anúncios publicitários que incentivam o consumo desse tipo de droga. Os malefícios causados, especialmente aos jovens, é enorme.

É evidente que não se vai propor uma lei seca, que jamais funcionaria, mas os métodos modernos utilizados para restringir a aquisição de bebidas funcionam muito bem. Não se trata de proibir a fabricação, mas de restringir a publicidade e limitar os pontos de venda. Por exemplo, em Estados americanos como Utah, os consumidores da Capital, Salt Lake City, somente podem comprar bebidas alcoólicas em lojas especializadas, nas quais só podem entrar maiores de 18 anos. Nos Supermercados, por exemplo, só se vende cerveja sem álcool. O mesmo se dá no Canadá. Em Vancouver, cidade que tem uma das melhores qualidades de vida do mundo, só é possível comprar bebidas nas “liquor stores” e, claro, também, lá só entram maiores de idade.

Pergunta-se: isso impede que se beba? Claro que não, pois ainda se pode beber em casa depois de adquirir a bebida na loja especializada e não numa rotineira compra de saladas ou cereais no supermercado. Ou se pode beber num restaurante, numa boate etc, mas é proibido portar garrafas ou latas de bebidas alcoólicas abertas nas ruas ou nos automóveis.

O fato é que esse tipo de procedimento dificulta em muito não só a compra com a ingestão de bebidas alcoólicas. É importante anotar que nesses locais o consumidor não compra por impulso. A aquisição da bebida alcoólica – qualquer que seja o tipo: vinhos, cervejas, destilados etc – exige do consumidor uma tomada de atitude, uma decisão de sair de casa para comprar os produtos.

No Brasil, infelizmente se pode comprar bebidas alcoólicas em todo e qualquer lugar abertamente e até via delivery. Não é, inclusive, incomum que menores de idade consigam facilmente comprar direta ou indiretamente as bebidas (o grupo de jovens se reúne e entrega o dinheiro para o maior de 18 anos pagar) A leviandade por aqui é tamanha que em festas de adolescentes há pais que servem cervejas e outras bebidas mais fortes à vontade. O mesmo ocorre às vezes em buffets e clubes.

Temos, entre nós, a Lei 9294/96 que, com fundamento no parágrafo 4º do art. 220 da Constituição federal, proibiu a veiculação televisiva dos anúncios de produtos fumígenos, tais como cigarros, cigarrilhas, charutos etc. Falta fazer o mesmo com as bebidas alcoólicas. É verdade que a mesma lei somente permite a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas emissoras de rádio e televisão entre as 21 e as 6 horas, mas isso não tem ajudado muito.

A publicidade de bebidas alcoólicas, de maneira geral, pode ser caracterizada como abusiva, conforme definição legal (art. 37, parágrafo 2º do Código de Defesa do Consumidor), na medida em que se utiliza de maneira bastante chula da imagem da mulher. As propagandas de cerveja são o melhor exemplo disso, aliás, parece mesmo que falta imaginação aos tão criativos publicitários brasileiros nesse setor: há anos só conseguem bater nessa mesma tecla surrada (que não deixa de ser vulgar e abusiva).

É verdade que ao final de cada anúncio sempre aparece o aviso: “Beba com moderação”. Mas, será que resolve? Sem poder me estender no assunto neste curto espaço, devo dizer que os estudos científicos da semiótica moderna demonstram que da maneira como são produzidos os anúncios, o aviso ao final não tem qualquer eficácia. Explico. O anúncio em si se traduz numa comunicação analógica de imagens agradáveis, sempre com gente bonita, sorridente, cantando, feliz e...bebendo, bebendo, bebendo. Ao final, não com imagens mas com palavras, isto é, numa comunicação digital (e às vezes uma simples fala) surge a frase do aviso.

Acontece que, a comunicação analógica do anúncio é um código quente, forte de comunicação e atinge em cheio o público alvo. Ela encanta, seduz a platéia. O aviso em letras é um código frio, fraco. O mesmo público embevecido com o anúncio lê o aviso e não lhe dá a devida importância. Traduzindo: o aviso não funciona. Exatamente como ocorria com os anúncios de cigarro, onde ao final, após cenas de esporte ou luxo, surgia a frase: “O Ministério da Saúde adverte: fumar faz mal à saúde”. Também não funcionava e, no caso, soava paradoxal: se o Ministério da Saúde sabe que faz mal, porque não toma providências mais eficazes? E tomou. No caso do cigarro não só se proibiu os anúncios em rádio e tevê como se obrigou os fabricantes a mostrarem os danos que o cigarro causa em fotos (linguagem analógica)e não só palavras.

Pois bem. No caso das bebidas alcoólicas falta muito. Sabe-se que a proibição relativa ao cigarro teve fundo econômico: o governo percebeu que era mais barato combater o vício do fumo que ficar gastando milhões nos hospitais com os fumantes doentes. Em relação à bebida alcoólica, ter-se-ia que fazer o mesmo. Claro que há o lobby dos fabricantes de bebidas a ser enfrentado e também o interesse dos veículos de comunicação, que faturam alto com os anúncios. Mas, se foi feito com o fumo existe a esperança de que possa ser feito também com as drogas alcoólicas.

A proibição de venda de bebidas alcoólicas em estradas federais, portanto, é bem vinda, mas ainda é muito pouco. De todo modo, diga-se desde logo que, penso que a Medida Provisória está plenamente de acordo com o sistema constitucional que garante a dignidade da pessoa humana e a sadia qualidade de vida das pessoas acima da mera atividade comercial.

Falta, ademais, a proibição nas estradas estaduais de todo o país. E para minimizar ainda mais o efeito nocivo do álcool não só no que acontece nas estradas, mas também no dia-a-dia das pessoas e famílias, é preciso coragem para a tomada de outras medidas como as sugeridas. Quanto ao aumento da restrição aos anúncios publicitários ou sua proibição, basta uma alteração na lei 9294 nesse sentido. Lembro, como dito, que a Constituição Federal assim o determina.

Não vejo também entrave a que se proíba a venda desse tipo de bebida em supermercados, padarias e congêneres, limitando as vendas apenas a estabelecimentos autorizados e controlados e nos quais fique proibida a entrada de menores de dezoito anos.

Se um dia chegarmos a isso, teremos certamente um consumo mais consciente e menos nocivo de bebidas alcoólicas.