14 janeiro 2008

As perspectivas do direito do consumidor para 2008.


Assim que cheguei de viagem de férias ao exterior, na semana passada, li entrevista dada pelo presidente de uma grande corporação internacional do ramo de alimentos, uma das líderes do setor no Brasil. Dentre vários aspectos de auto-enaltecimento da empresa que dirige, o empresário ressaltava o orgulho que tinha ao afirmar que ela funcionava com rígidos controles de qualidade no que dizia respeito à preservação da natureza, em especial no cuidado com a água. Além disso, a empresa desenvolve projetos sociais, que tanto o Brasil precisa.

Fiquei feliz, afinal trata-se de uma empresa estrangeira explorando o mercado brasileiro e preservando nossa natureza, nossas águas e, ainda por cima, colaborando com a população brasileira em projetos sociais.

Infelizmente, no entanto, para minha decepção, no mesmo dia, recebi a notícia de que o Ministério da Justiça havia autuado várias empresas pela prática de “maquiagem” de produtos. Como se sabe, a chamada maquiagem de produtos é uma prática abusiva que consiste na modificação da quantidade do produto em embalagens conhecidas, sem o prévio, amplo e ostensivo aviso aos consumidores.

Foram autuadas empresas que modificaram embalagens de biscoito de 240 para 180 gramas, de “wafer” recheado de 160 para 140 gramas, de rosquinhas de 500 para 400 gramas, de biscoito recheado de 150 para 140 gramas etc. (Conforme site do Ministério da Justiça, notícia de 9-01-2008).

Pois bem. Dentre as empresas autuadas com multas que variaram de R$94.586,00 a R$472.930,00, estava exatamente aquela cujo presidente enalteceu na entrevista. Pergunto: será possível a uma empresa preservar o meio ambiente e agir em projetos sociais e, ao mesmo tempo, desrespeitar seus próprios consumidores?

A resposta, conforme os dados provam é sim. E por que? Marketing, pura estratégia de marketing para dar uma aparência de respeito ao direito e às pessoas, quando, na verdade as práticas continuam sendo as mesmas de obter lucro a qualquer preço e enganando os clientes.

Já tive oportunidade de aqui mesmo comentar que não adianta acreditar que o mercado de consumo resolve suas questões por conta própria, como se houvesse uma espécie de “lei” de mercado que fosse capaz de corrigir os excessos e as faltas. A verdadeira lei de mercado é aquela que aparece estampada nos jornais de negócios e nas manchetes dos grandes jornais e revistas: o empresário moderno e as grandes corporações que ele dirige quer, cada vez mais e sempre, faturar mais alto, nem que para isso ele tenha que eliminar postos de trabalho, baixar salários, eliminar benefícios e piorar a qualidade de seus produtos e serviços ou, como no caso, manter a qualidade, mas alterar a embalagem para, iludindo o consumidor, aumentar sua receita.

E, com o fenômeno da chamada globalização, o quadro piorou. Por conta da abertura do mercado de vários países, do incremento da tecnologia e das comunicações, da melhora das condições de distribuição etc, as grandes corporações acabaram por mudar seus pólos de produção para locais que ainda não tinham tradição de produção de qualidade. Essas empresas foram buscar maiores lucros, pagando menores salários e produzindo bens de consumo de pior qualidade. Para lucrar mais, o empresário acaba correndo maior risco de oferecer piores produtos e serviços ao consumidor.

Esse processo, que sempre existiu e que, após a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (CDC) no Brasil, em 11-03-1990 se pensou que tenderia a diminuir, tem crescido vigorosamente. E pior: com as fórmulas ilusórias e sedutoras do mau marketing, que têm dentre suas atividades essa de exatamente planejar como enganar seus clientes, estes muitas vezes nem descobrem que foram lesados.

Eis, pois, uma amostra do desafio que o consumidor enfrentará: vencer a ganância dos empresários que não respeitam seus clientes. Qual seria a saída? O Ministério da Justiça está fazendo sua parte, mas a legislação permite a aplicação de multas cujos valores não causam transtornos à essas grandes corporações. Tudo indica que as vantagens financeiras com o abuso compensem largamente a ação abusiva.

Insisto em algo que tenho sempre colocado: seria muito bom se os consumidores que trabalham nessas empresas as denunciassem, pois são eles os primeiros e, às vezes, os únicos a tomarem conhecimento da prática abusiva enganosa. É bom lembrar que todo empregado é também consumidor e se a empresa em que ele trabalha engana os consumidores, fatalmente, ele também um dia será lesado por ela ou por outra.

Enquanto essa “consciência de grupo” dos empregados-consumidores não chega, uma saída seria o incremento do número de ações coletivas. Este é o principal instrumento de proteção ao consumidor fixado no CDC, elaborado que foi para proteger mais os direitos coletivos e difusos que os individuais. E, se o judiciário, tomando consciência do tamanho do problema, condenar as empresas que abusam a pagar vultosas indenizações punitivas ou obrigá-las a agirem de acordo com a lei estritamente, teremos, certamente, nos próximos anos de vigência, um direito do consumidor mais sólido, respeitado e um mercado de consumo mais forte.

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