Neste fim de ano, véspera do Natal, em que os produtores em geral esperam faturar como nunca na venda de presentes e guloseimas, ofereço estas reflexões. Elas tem foco na coexistência de dois mundos. De um lado, o ideal da mídia, das propagandas, do marketing, da alma da sociedade capitalista enfim e, de outro lado, o real dos produtos e serviços oferecidos na ponta de venda com suas promessas nem sempre cumpridas, seus defeitos, seus problemas, seus danos etc.
Vou começar narrando algo que se passou na última quinta-feira.
Como se sabe, este nosso país cresceu tanto que já há bancos brasileiros que compraram bancos estrangeiros, inclusive, americanos. É realmente incrível esse poder financeiro nacional. Havia um estrangeiro, por exemplo, no qual eu tinha conta que prestava um atendimento realmente de primeira linha, da melhor qualidade. Ele foi comprado e eu agora tenho conta no nacional. Tudo bem, é o progresso. Mas, vejam o que se deu na quinta-feira última.
Fui até a agência e num local destinado a quatro caixas (que antigamente estavam sempre por lá) havia apenas um. A fila não era muito grande, de modo que resolvi permanecer. Mas, acontece que a cada instante chegava uma pessoa com direito à preferência, o que é perfeitamente justo. Como só tinha um caixa, a fila não andava. Era possível que, literalmente, nós da fila passassemos lá o dia inteiro, pois o único caixa só conseguia dar atendimento aos preferenciais. À minha frente estava uma mulher muito furiosa, que aos berros dizia de sua saudade do serviço oferecido pelo banco estrangeiro.
Como eu tinha mais o que fazer, sai da fila e retornei ao banco quarenta minutos depois. Mudara o caixa, mas continuava sendo um só com o mesmo problema. Desisti. Liguei para minha gerente e tive que ir noutra agência, no dia seguinte. Gastei duas horas e meia para ter o atendimento desejado, apenas no dia seguinte.
Agora, quando nós assistimos aos anúncios publicitários desse banco na tevê ficamos encantados, não só com as promessas, mas com as imagens: tudo é perfeito, todo mundo sorri, tudo funciona. É o mundo ideal. Já na realidade...
O problema é que, no caso que narrei, o consumidor do mundo real não tem muito o que fazer. Vai para onde? Fazer o que? Trocar de banco? Adiantará? Temo dizer que não. Nesse tipo de serviço mal executado, a saída para o consumidor seria trocar de fornecedor, como ele faz quando é mal atendido num restaurante, mas da maneira com o setor está organizado, ele praticamente não tem alternativas. Falta maior controle e fiscalização do Estado. Por isso, o consumidor, desnorteado, vai deixando passar, vai se acostumando e vivendo como pode. Mesmo os que gritam, como a mulher de minha frente na fila, cansam-se e um dia acabam se conformando com o que a sociedade tem para lhe oferecer.
É tudo parte da engrenagem, nesse grande processo que se chama sociedade capitalista contemporânea da imagem televisa e do marketing de massas. Nela tudo foi edulcorado com uma plasticidade que acabou por camuflar a realidade. A maior parte sequer perceber os abusos, acostumada que está com o paradoxal sistema. Nunca se viveu tão alienadamente dos fatos reais como agora na época do mundo virtual. Esse mundo virtual é quase que “literalmente” virtual, especialmente no que respeita aos nossos sentidos e percepções. Quase tudo de massificou, se homogenizou e se banalizou.
Acostumamo-nos com a morte diária de pessoas por crimes que parecem impossíveis de serem evitados, por acidentes de trânsito causados por irresponsáveis, com a corrupção em amplos setores da sociedade a começar pelo poder político, com guerras sem fim no mundo afora, com catástrofes climáticas em todos os lugares do globo, com adultos mendigando comida e dinheiro a toda esquina, com crianças abandonadas vivendo em sarjetas, com problemas de desemprego, miséria etc.
Ao mesmo tempo, a mídia televisiva (afora o noticiário escandaloso e catastrófico) nos mostra uma realidade diferente. A publicidade, que a mantém, apresenta sem parar um mundo perfeito, com homens e mulheres lindos, produtos e serviços perfeitos, sonhos possíveis de serem realizados, podemos freqüentar as melhores escolas, os melhores restaurantes, os melhores estabelecimentos comerciais, os melhores shopping-centers, podemos ter contas nos melhores bancos, que nos propiciam as menores taxas nos empréstimos, os maiores rendimentos nas aplicações, o melhor atendimento pessoal etc. Aliás, “todos” são os melhores, de tal modo que não há maus fornecedores. No mundo ideal da propaganda comercial (e também da propaganda política) tudo funciona.
Vive-se, pois, entre dois mundos: o real que nos atordoa com sua dura violência diária e o ideal que nos oferece a esperança de uma vida melhor. E o que se observa nos indivíduos é um enorme desânimo, uma espécie de letargia imposta pela impossibilidade de, de um lado, entender o mundo atual e, de outro, um “não saber o que fazer” para nele atuar visando sua transformação para melhorá-lo.
Trava-se uma luta surda e, às vezes, nem tão surda pelo emprego, pelo cargo, pela posse de objetos e, com isso, o outro vai ficando cada vez mais distante. Não só há um isolamento das pessoas dentro de suas casas, de onde saem para ir aos lugares públicos para trabalharem e se divertirem, mas um isolamento dentro de si mesmo.
Claro que, olhando as pessoas se divertindo em passeios, parques, teatros, restaurantes e lojas, parece que elas fazem o que querem. Consomem e são felizes. Mas, observando-se de perto, descobre-se também uma profunda alienação, uma exagerada individualidade egoística, uma solidão, um afastamento do outro, os núcleos familiares antes tão importantes, agora se dissolvendo, um crescimento enorme da intolerância, a falta de solidariedade, um endurecimento dos corações, em aumento do desprezo pelo outro, um certo pouco caso, como se nada fosse “conosco” (um exagerado, pois, “não é comigo” e “não tenho nada a ver com isso”).
Veja-se o Natal: há os que nada tem para dar e os que nada tem para receber. Há também os que dão e ganham exageradamente. Há crianças sem proteção, sem abrigo e sem brinquedos e crianças superprotegidas e que ganham presentes em excessos. Falta e excesso ao mesmo tempo. Lado a lado, no mesmo espaço público e que acabam habitando os mesmos corações.
Trata-se de um processo imperceptível, mas martelado constantemente e sem trégua pelos anunciantes do mercado de consumo local e global. Seus métodos, cada vez mais sofisticados, conseguem mesmo vender a esperança vazia da felicidade que deve estar dentro da caixa de presentes, na roupa nova, no celular mais moderno, no microcomputador que tudo faz, no carro novo a qualquer custo e sacrifício etc.
Esse mercado de consumo é impiedoso na sua ânsia por lucro. Hoje vendem-se automóveis em pequenas parcelas em longa jornada de noventa meses para consumidores que terão muita dificuldade de pagar o IPVA, a manutenção, o próprio combustível comprado com cheques pré-datados e, mais cedo ou mais tarde, muitos desses veículos serão retomados dos que não puderam completar a jornada, deixando-os endividados pela ilusão.
É isso: vivemos o paradoxo da esperança prometida sentida em conjunto com a esperança perdida. Queremos ser felizes, mas como só podemos realizar essa felicidade pela via do mercado, nos frustramos, pois, a verdade é que, comprar, cada vez mais, bens materiais não será capaz de preencher o vazio de nossas almas. Quem procura felicidade no mercado morrerá frustrado.
Vou começar narrando algo que se passou na última quinta-feira.
Como se sabe, este nosso país cresceu tanto que já há bancos brasileiros que compraram bancos estrangeiros, inclusive, americanos. É realmente incrível esse poder financeiro nacional. Havia um estrangeiro, por exemplo, no qual eu tinha conta que prestava um atendimento realmente de primeira linha, da melhor qualidade. Ele foi comprado e eu agora tenho conta no nacional. Tudo bem, é o progresso. Mas, vejam o que se deu na quinta-feira última.
Fui até a agência e num local destinado a quatro caixas (que antigamente estavam sempre por lá) havia apenas um. A fila não era muito grande, de modo que resolvi permanecer. Mas, acontece que a cada instante chegava uma pessoa com direito à preferência, o que é perfeitamente justo. Como só tinha um caixa, a fila não andava. Era possível que, literalmente, nós da fila passassemos lá o dia inteiro, pois o único caixa só conseguia dar atendimento aos preferenciais. À minha frente estava uma mulher muito furiosa, que aos berros dizia de sua saudade do serviço oferecido pelo banco estrangeiro.
Como eu tinha mais o que fazer, sai da fila e retornei ao banco quarenta minutos depois. Mudara o caixa, mas continuava sendo um só com o mesmo problema. Desisti. Liguei para minha gerente e tive que ir noutra agência, no dia seguinte. Gastei duas horas e meia para ter o atendimento desejado, apenas no dia seguinte.
Agora, quando nós assistimos aos anúncios publicitários desse banco na tevê ficamos encantados, não só com as promessas, mas com as imagens: tudo é perfeito, todo mundo sorri, tudo funciona. É o mundo ideal. Já na realidade...
O problema é que, no caso que narrei, o consumidor do mundo real não tem muito o que fazer. Vai para onde? Fazer o que? Trocar de banco? Adiantará? Temo dizer que não. Nesse tipo de serviço mal executado, a saída para o consumidor seria trocar de fornecedor, como ele faz quando é mal atendido num restaurante, mas da maneira com o setor está organizado, ele praticamente não tem alternativas. Falta maior controle e fiscalização do Estado. Por isso, o consumidor, desnorteado, vai deixando passar, vai se acostumando e vivendo como pode. Mesmo os que gritam, como a mulher de minha frente na fila, cansam-se e um dia acabam se conformando com o que a sociedade tem para lhe oferecer.
É tudo parte da engrenagem, nesse grande processo que se chama sociedade capitalista contemporânea da imagem televisa e do marketing de massas. Nela tudo foi edulcorado com uma plasticidade que acabou por camuflar a realidade. A maior parte sequer perceber os abusos, acostumada que está com o paradoxal sistema. Nunca se viveu tão alienadamente dos fatos reais como agora na época do mundo virtual. Esse mundo virtual é quase que “literalmente” virtual, especialmente no que respeita aos nossos sentidos e percepções. Quase tudo de massificou, se homogenizou e se banalizou.
Acostumamo-nos com a morte diária de pessoas por crimes que parecem impossíveis de serem evitados, por acidentes de trânsito causados por irresponsáveis, com a corrupção em amplos setores da sociedade a começar pelo poder político, com guerras sem fim no mundo afora, com catástrofes climáticas em todos os lugares do globo, com adultos mendigando comida e dinheiro a toda esquina, com crianças abandonadas vivendo em sarjetas, com problemas de desemprego, miséria etc.
Ao mesmo tempo, a mídia televisiva (afora o noticiário escandaloso e catastrófico) nos mostra uma realidade diferente. A publicidade, que a mantém, apresenta sem parar um mundo perfeito, com homens e mulheres lindos, produtos e serviços perfeitos, sonhos possíveis de serem realizados, podemos freqüentar as melhores escolas, os melhores restaurantes, os melhores estabelecimentos comerciais, os melhores shopping-centers, podemos ter contas nos melhores bancos, que nos propiciam as menores taxas nos empréstimos, os maiores rendimentos nas aplicações, o melhor atendimento pessoal etc. Aliás, “todos” são os melhores, de tal modo que não há maus fornecedores. No mundo ideal da propaganda comercial (e também da propaganda política) tudo funciona.
Vive-se, pois, entre dois mundos: o real que nos atordoa com sua dura violência diária e o ideal que nos oferece a esperança de uma vida melhor. E o que se observa nos indivíduos é um enorme desânimo, uma espécie de letargia imposta pela impossibilidade de, de um lado, entender o mundo atual e, de outro, um “não saber o que fazer” para nele atuar visando sua transformação para melhorá-lo.
Trava-se uma luta surda e, às vezes, nem tão surda pelo emprego, pelo cargo, pela posse de objetos e, com isso, o outro vai ficando cada vez mais distante. Não só há um isolamento das pessoas dentro de suas casas, de onde saem para ir aos lugares públicos para trabalharem e se divertirem, mas um isolamento dentro de si mesmo.
Claro que, olhando as pessoas se divertindo em passeios, parques, teatros, restaurantes e lojas, parece que elas fazem o que querem. Consomem e são felizes. Mas, observando-se de perto, descobre-se também uma profunda alienação, uma exagerada individualidade egoística, uma solidão, um afastamento do outro, os núcleos familiares antes tão importantes, agora se dissolvendo, um crescimento enorme da intolerância, a falta de solidariedade, um endurecimento dos corações, em aumento do desprezo pelo outro, um certo pouco caso, como se nada fosse “conosco” (um exagerado, pois, “não é comigo” e “não tenho nada a ver com isso”).
Veja-se o Natal: há os que nada tem para dar e os que nada tem para receber. Há também os que dão e ganham exageradamente. Há crianças sem proteção, sem abrigo e sem brinquedos e crianças superprotegidas e que ganham presentes em excessos. Falta e excesso ao mesmo tempo. Lado a lado, no mesmo espaço público e que acabam habitando os mesmos corações.
Trata-se de um processo imperceptível, mas martelado constantemente e sem trégua pelos anunciantes do mercado de consumo local e global. Seus métodos, cada vez mais sofisticados, conseguem mesmo vender a esperança vazia da felicidade que deve estar dentro da caixa de presentes, na roupa nova, no celular mais moderno, no microcomputador que tudo faz, no carro novo a qualquer custo e sacrifício etc.
Esse mercado de consumo é impiedoso na sua ânsia por lucro. Hoje vendem-se automóveis em pequenas parcelas em longa jornada de noventa meses para consumidores que terão muita dificuldade de pagar o IPVA, a manutenção, o próprio combustível comprado com cheques pré-datados e, mais cedo ou mais tarde, muitos desses veículos serão retomados dos que não puderam completar a jornada, deixando-os endividados pela ilusão.
É isso: vivemos o paradoxo da esperança prometida sentida em conjunto com a esperança perdida. Queremos ser felizes, mas como só podemos realizar essa felicidade pela via do mercado, nos frustramos, pois, a verdade é que, comprar, cada vez mais, bens materiais não será capaz de preencher o vazio de nossas almas. Quem procura felicidade no mercado morrerá frustrado.
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