É impressionante ver como há empresários que se especializam em burlar as leis de proteção ao consumidor com o único e exclusivo objetivo de auferir lucro, mas uma espécie de lucro exagerado, sem fim. Atualmente, os maiores violadores do sistema são exatamente aqueles que não precisariam faze-lo, pois seus ganhos já são por demais excessivos.
Aliás, no tema de hoje, a questão é antes de tudo moral, já que a violação é mais profunda: atinge a conduta, independentemente de a lei regula-la.
• Abuso exagerado e repetido
Veja isto: nesta última semana, o zelador de um prédio aqui de meu bairro, foi a uma agência bancária solicitar um empréstimo de R$500,00. Pediram-lhe toda a documentação de praxe e ele a levou. Aprovado o empréstimo, trouxeram-lhe o contrato e também outro documento para assinar: tratava-se de um seguro residencial. O zelador, então, disse que nem casa ele tinha, pois morava com sua família no apartamento pertencente ao condomínio.
Não adiantou: o funcionário do banco (parece que um sub-gerente ou coisa assim) disse que para receber o empréstimo ele tinha que fazer o seguro. E, olha, não foi pouca coisa. Para um empréstimo de apenas R$500,00 “enfiaram-lhe pela goela abaixo” (desculpem-me a expressão, mas ela é adequadíssima) R$64,20 ou o equivalente a 12,84% do total emprestado!
Muitas lições poderíamos tirar de simples episódio, tão corriqueiro como, infelizmente, qualquer assalto a mão armada em plena rua de uma cidade grande. Mas, todas elas nos jogam na cara esse lado estranho da condição humana que criou a hipocrisia e mais ainda o cinismo. Lendo-se a apólice de seguro, percebe-se a farsa, a comédia e a tragédia. Nosso zelador-consumidor (assim como qualquer um de nós) vive oprimido pelo abuso que as grandes corporações do capitalismo descontrolado lhe impinge. Ele, morador de um apartamento dentro do condomínio no qual trabalha, acabou fazendo seguro contra “incêndio, queda da raio e explosão” com coberturas contra “vendaval e fumaça” !
E foi obrigado a assinar um documento, do qual se lê: ”declaro que este seguro está sendo adquirido por livre e espontânea vontade, por seu de seu interesse, sem qualquer vinculação com outro e/ou operação disponibilizada pelo banco...”
Quer mais? Está também escrito: “Declaro ter pleno conhecimento que o presente bilhete será renovado automaticamente, por mais um ano, conforme disposto ...etc”. Conclusão: o consumidor precisava de um pouquinho de lã, foi busca-la e saiu tosquiado para a vida toda!
• Falta de consciência
Sempre que vejo abusos desse tipo, me vem a mente não só a imagem do empresário aproveitador e ganancioso, mas também a do funcionário que executa suas ordens. No caso do zelador, foi um empregado do banco que lhe impingiu o contrato de seguro abusivo. Esse mesmo empregado, que sabe muito bem que está abusando de um cidadão, ele próprio é também consumidor e certamente será enganado em algum lugar: numa loja, numa indústria, pelo serviço de transporte ou telefônico etc e por um banco! Trata-se daquilo que eu intitulado de falta de “consciência de classe” do consumidor.
É essa falta de consciência que faz com que no telemarketing ativo o atendente viole a tranqüilidade do consumidor em seu lar e, muitas vezes, o engane com ofertas miraculosas; ou no telemarketing passivo, quando o atendente nega-se a fazer o cancelamento solicitado; é a mesma falta de consciência que faz com que o vendedor ofereça produtos com preços acima do que ele, afinal, poderia vender (as roupas poderiam ser adquiridas por menor preço, os eletrodomésticos idem etc); e é a mesma falta de consciência que faz o empregado do banco praticar o abuso contra o zelador.
A ironia é que neste mercado que só conhece o lucro, todos esses “pequenos infratores” a mando de seus patrões violam o direito de outras pessoas no horário de seu trabalho, mas assim que vão às compras são também enganados e violados.
De todo modo, é importante saber que, ao menos na questão da operação casada, a lei a regulou e o consumidor pode se proteger, conforme mostro a seguir.
• A operação casada é proibida
Quando o CDC proibiu que o fornecedor condicionasse o fornecimento do produto ou do serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço (e também proibiu a venda de quantidade mínima injustificada), estava dirigindo seu comando expressamente à prática das operações casadas já existentes no mercado brasileiro.
• O que é operação ou venda casada
A chamada operação casada ou simplesmente venda casada é uma imposição feita pelo fornecedor ao consumidor. Ela se dá quando o vendedor exige do consumidor que para ele comprar um produto tem que obrigatoriamente adquirir outro (o mesmo se dá com os serviços).
Algumas dessas operações são bem conhecidas. Dentre elas estão certas imposições feitas por bancos para abrir conta ou oferecer crédito, como, por exemplo, somente dar empréstimos se o consumidor fechar algum tipo de seguro (residencial como o do zelador ou seguro de vida). Outro exemplo é o do comerciante que só serve a bebida no bar se o consumidor comprar um prato de acompanhamento etc.
Esse tipo de operação pode também se dar quando o comerciante impõe quantidade mínima para a compra.
• O que fazer
Dependendo do tipo de operação, você pode aceitar a imposição e, em seguida, anular parte dela. Por exemplo, se for caso de banco que exige que você faça um seguro para obter um empréstimo, você pode primeiro obter o empréstimo e, depois, cancelar o seguro. A solução, no caso, é mandar uma carta/notificação tratando do abuso e cancelando o seguro (você pode obter um modelo de carta no site ao lado). E, claro, pode fazer uma reclamação no Procon.
Se for daqueles bares que não deixam você sentar sem beber, então o jeito é ir embora e depois denunciar o estabelecimento aos serviços de proteção ao consumidor.
• Aja rápido
Você deve estar atento para perceber se fazendo o negócio, a parte abusivamente imposta pode ser resolvida separadamente. Use a carta/notificação para tanto. Se não der certo, procure o órgão de defesa do consumidor ou advogado de confiança.
• Operação casada legítima
Apesar da proibição, existem exceções para algumas operações casadas.
É que algumas exigências casadas são legítimas, como certas quantidades mínimas dentro de critérios razoáveis. Assim, por exemplo, o comerciante pode se negar a vender apenas a calça do terno, por motivos óbvios. Da mesma maneira, o industrial pode embalar o sal em pacotes de 500 g, mesmo que o consumidor queira adquirir apenas 200 g.
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