12 março 2007

Incompetência e caos nos aeroportos brasileiros: fazer figa é o que resta ao consumidor?

É tão fácil atender o consumidor. Às vezes basta um agrado, uma atenção; às vezes é apenas preciso usar a inteligência. Na última sexta-feira, um amigo e eu, presenciamos no aeroporto de Goiânia mais um episódio que demonstra como a Infraero e as companhias aéreas brasileiras estão despreparadas para atender à demanda crescente do mercado nacional. Infelizmente, elas estão longe de entender o que significa boa prestação de serviços.
Há mais de trinta anos, os estudiosos do marketing já escreviam sobre o significado do diferencial de qualidade para o atendimento e conquista do consumidor. Foram publicados dezenas de livros contando centenas de cases relativos ao assunto. Lembro aqui apenas um bom exemplo: o de um supermercado no Estado de Connecticut, nos Estados Unidos da América. O estabelecimento foi eleito o melhor supermercado do país e modelo de bom atendimento aos clientes. Seus administradores usavam várias técnicas e dentre elas, narrarei uma que tem relação direta com o que assistimos no aeroporto.
Como em qualquer supermercado, a administração dos caixas na relação com o atendimento dos clientes era um problema. Para não ter filas nos caixas, era preciso oferecer muitos pontos de atendimento, mas isso encarecia demais o custo da operação. E mesmo com boa oferta de caixas, o problema aparecia nos horários de pico. Durante grande parte do dia os caixas permaneciam vazios, mas nos horários de concentração de clientes, mesmo com todos os caixas operando simultaneamente era impossível evitar as filas.
Nem aquele supermercado ou qualquer outro consegue colocar o tempo todo caixas suficientes para evitar filas. Muito bem, qual foi a solução? O que fizeram os administradores? Toda vez que a fila ultrapassava o terceiro cliente, surgia um funcionário oferecendo biscoitos, chocolates, refrescos às pessoas que esperavam pela vez. Além disso, esses funcionários aproveitavam para fazer pesquisas junto aos clientes, perguntando se eles tinham encontrado todos os produtos procurados, de quais marcas mais gostavam, se tinham alguma reivindicação ou reclamação a fazer etc. Os docinhos e refrescos realmente agradavam e a conversa ajudava o tempo passar. Ninguém se importava de ficar na fila (alguns talvez até gostassem...).
Agora veja o que assistimos no aeroporto de Goiânia. Meu amigo e eu aguardávamos ao lado do balcão de atendimento que fosse terminado o ingresso dos passageiros de determinado vôo e fosse aberta a lista de espera, na qual estávamos inscritos em primeiro e segundo lugar. O horário do vôo era 19:07. Acontece que a maior parte dos passageiros chegou às 18:10/18:15 horas, formando uma boa fila diante do balcão de atendimento. Eram apenas dois postos de atendimento e a fila ficou muito lenta. Por volta das 18:40, uma moça que era a última da fila, veio até o balcão reclamar da demora, demonstrando claramente estar nervosa por medo de perder o vôo. Uma atendente disse que ela aguardasse no fim da fila, mas não deu claras explicações de que daria tempo para ela ser atendida (Meu amigo e eu, evidentemente, torcíamos para que ela fosse atendida, pois era a única maneira de se, havendo vaga, ser aberta a lista de espera).
Logo após isso, no alto falante do aeroporto foi chamado o nome de uma pessoa e foi dito: ”Volte para sua sala de trabalho”. Estranho chamado, algo cômico e um novo modo de convocar trabalhadores relapsos, talvez... Mas, em seguida, mais ou menos às 18:45, no alto falante foi anunciado esse vôo das pessoas na fila (ainda longa) e dito: “Embarque iniciado portão dois”. A moça do fim da fila, agora mais nervosa, voltou ao balcão e novamente mandaram-na de volta, sem muita ênfase na afirmação de que daria tempo. Pior: cinco minutos depois, no alto falante foi anunciado o vôo e dito: “Última chamada portão dois”. A fila tinha ainda umas dez pessoas e dessa vez todas ficaram nervosas e passaram a reclamar em alto e bom tom, mas nada foi feito.
Quer mais? Às 19:00, o vôo foi novamente chamado e foi dito: “Embarque encerrado”. As pessoas entraram em pânico e a moça do último lugar quase subiu pelo balcão. Uma atendente a acalmou e chamou um funcionário para ficar no fim da fila numa posição estranha: deveria impedir outras pessoas de entrarem nela!
Muito bem, sabe o resultado? Todos embarcaram, abriram a fila de espera, nós entramos junto de mais três. Logo, não havia motivo para pânico. No entanto, como é que as pessoas que estavam na fila poderiam saber disso? E, aliás, principalmente, com as informações um tanto terroristas do alto falante, que teimava em deixar todo mundo nervoso?
Você já deve saber a resposta, especialmente, após ter examinado o que é realmente uma boa experiência de atendimento de consumidores na fila. É impressionante que, com tudo o que faturam as companhias aéreas, que nesse instante, não tem qualquer problema de venda de assentos, não tenham uma administração inteligente e eficaz no atendimento dos clientes. Elas continuam fazendo como tantos outros setores: gastam milhões em publicidade, nas quais tudo funciona, mas economizam no atendimento real. A Infraero, no episódio, comete o mesmo erro: administra mal (e também já tem feito publicidade falando da modernização dos aeroportos).
Foi mesmo incrível a demonstração de incapacidade para prestar serviços de qualidade e que resumia-se a algo simples como administrar uma única fila de pessoas. No caso narrado, bastava calar o alto falante (alguns diziam que era o funcionário chamado de volta à sala: ele foi lá para apertar o gravador...) e informar claramente às pessoas que estavam na fila que havia tempo suficiente para todos embarcarem. Uma outra medida eficaz, evidentemente, seria abrir mais pontos de atendimento!
O episódio nos faz pensar: será apenas incompetência ou há outros motivos? A incompetência salta aos olhos, mas é possível também pensar- se que a falta de concorrência tem colaborado muito para a má prestação dos serviços de atendimento, pois: a infraero como entidade governamental sem concorrência, não parece estar muito preocupada ou preparada para a prestação de serviços de qualidade; e a concentração de trajetos nas mãos de poucas companhias aéreas criou um mercado cativo que não dá alternativa ao consumidor. Sem concorrência a qualidade pode ser desprezada.
E para terminar, quero realçar a paciência e até surpreendente estabilidade emocional dos consumidores que, apesar de tensos, permaneceram até o fim bem comportados e, claro, todos fazendo figas.