15 outubro 2007

O Código de Defesa do Consumidor após 17 anos: ainda falta muito.

No mês passado o Código de defesa do Consumidor fez 17 anos desde sua aprovação (Lei 8078/90 de 11-9-1990). É, pois, uma lei antiga. Por isso, seria de se esperar que fosse cumprida por todos o tempo todo. Mas, não é bem assim.

Com um início de vigência que, lembro-me bem, assustou empresários em geral, publicitários e banqueiros em especial, aos poucos o CDC foi se firmando e deixando de ser o bicho-papão de que o acusavam injustamente.

Ao que me consta, ninguém mais duvida da mudança ocasionada pela legislação consumerista na relação fornecedor-consumidor e que fez com que não só a qualidade da produção melhorasse como também da comercialização, com ofertas mais honestas, informações mais adequadas, atendimento melhor qualificado, enfim, a norma fez o mercado amadurecer.

Para ficarmos apenas com um exemplo: antes do CDC, a maior parte dos produtos não trazia estampada nas embalagens seu prazo de validade. Lembro-me bem que eu mesmo fiquei espantado com o curto prazo de validade de alguns produtos.

Até água em garrafa ou em copo plástico tem prazo de validade! Antes da Lei 8078/90, nós consumidores, muito provavelmente ingerimos toneladas de produtos vencidos e sorvemos milhares de litros de bebidas ultrapassadas. (Ocorre-me um fato tão terrível quanto peculiar: sou da época dos refrigerantes em garrafa -- apenas em garrafa -- e agora me vem a memória de quantas vezes quando garoto retirei a tampinha e com a mão limpei as marcas de ferrugem que estavam na boca da garrafa, antes de beber o refrigerante...Sabe-se lá das vezes que adoeci, quantas não estavam relacionadas com produtos e bebidas deteriorados)

Pois bem, o susto dos empresários passou. A lei teve, como tem, muito boa eficácia – ou, como se costuma dizer no Brasil, é “uma lei que pegou”. Porém, ao mesmo tempo em que os consumidores passaram a ficar mais escolados em matéria de consumo, os empresários também.

E, a partir do conhecimento obtido especialmente por alguns maus empresários do resultado da aplicação das sanções regradas na lei, acabou-se implantando no país, nesses últimos anos, uma série enorme de medidas e ações prejudiciais aos direitos dos consumidores. E está sendo difícil brecar essas novas táticas fundadas em velhos hábitos.

Apontarei, na seqüência, alguns casos, mas não posso deixar de consignar o equívoco desses fornecedores em empreender seus negócios de forma enganosa, normalmente respaldados em programas de marketing estruturados para obter receita e lucro em detrimento do cumprimento das leis vigentes e fora do modelo instituído da boa-fé objetiva (atualmente alicerce de todo o ordenamento jurídico. Se você tiver interesse sobre a questão da boa-fé, leia meu artigo a respeito do assunto, publicado em meu site).

O bom fornecedor é ainda e sempre será aquele que desenvolve seu projeto de negócio, claro, visando o lucro, mas respeitando seus clientes.

Relembro aqui a história do vendedor de amendoins na praia: ele passa gritando e dando uma amostra de seu produto para os banhistas; caminha alguns metros repetindo esse gesto para depois voltar. Enquanto ele vai, os veranistas comem o amendoim recebido – e de graça! – e quando ele volta, quem gostou tem a oportunidade de comprar um pacotinho, momento em que o negócio é concretizado.

Desse simples modo de oferecer e vender o amendoim se pode extrair um dos melhores exemplos de como o empresário deve tratar o consumidor: em primeiro lugar o vendedor faz uma propaganda honesta, oferecendo de graça seu produto para que o consumidor experimente; depois ele somente vende para o consumidor que de fato quer comprar, uma vez que o produto foi previamente examinado, testado e aprovado.

Quanto ao consumidor que experimentou mas não comprou, ainda assim o negócio foi bem-feito. O custo do amendoim oferecido gratuitamente faz parte do custo total do negócio, porém funciona sempre como investimento, pois, até para aquele que não comprou fica a lembrança da boa imagem que o vendedor construiu, respeitando inclusive seu desinteresse em adquirir o produto. E por isso esse consumidor torna-se um cliente em potencial, podendo adquirir o produto em outra oportunidade.

Lamentavelmente, nem todo empresário pauta sua conduta por modelos como o acima narrado. E o pior é que são os maiores, os que podem causar danos em larga escala, os que mais têm violado os consumidores. Vejamos esses exemplos.

Alguns bancos lançam pequenos valores relativos a prêmio mensais de seguros que garantiriam os usuários contra, por exemplo, perda e roubo do cartão de crédito e dão como opção apenas que, se o cliente não quiser, deve ligar para cancelar o indevido lançamento, o que viola o direito do consumidor. Um banco com 1.000.000 de usuários cobrando apenas R$2,50 consegue faturar R$2.500.000,00 por mês! As grandes indústrias (quem diria?) têm se utilizado de um artifício malicioso, conhecido como maquiagem. Seus clientes consumem seus produtos há muitos anos e de repente, sem que eles percebam estão levando menos pelo mesmo preço. São os casos de embalagens de biscoitos que tinham 200 grs e passaram a ser vendidos com 180 grs; papel higiênico de rolo com 40 metros diminuído para 30; sabões em pó de embalagens de 1kg mudadas para 900 grs; sabonetes de 90 grs reduzidos para 85 grs e mais um longo etc.

A tática é essa: abusos com pequenos valores individuais multiplicados pelo número de clientes. O resultado da conta é fabuloso: os consumidores são lesados sem nem mesmo perceberem e a indústria aumenta sua receita em milhões de reais.

Esse processo, que sempre existiu e que, após a edição do CDC, se pensou que tenderia a diminuir, tem crescido vigorosamente. E pior: com as fórmulas sedutoras do marketing, muitas vezes os consumidores não descobrem que foram enganados e não percebem que foram lesados.

Eis, pois, uma amostra do desafio que, após os 17 anos da promulgação do CDC, se impõe: vencer a ganância dos empresários que não respeitam seus clientes.

Uma saída seria o incremento do número de ações coletivas. Este é o principal instrumento de proteção ao consumidor. Não se deve esquecer que o CDC, em larga medida, foi elaborado para proteger mais os direitos coletivos e difusos que os individuais. Equivocadamente, têm se dado ênfase nas ações individuais (o que se compreende pela tradição privatista do direito brasileiro), mas isso precisa mudar.

A ação coletiva pode por fim aos abusos praticados pelas grandes corporações, pois numa única ação resolve-se centenas de casos iguais. Esse é um importante caminho para termos, nos próximos anos de vigência da Lei, um direito do consumidor mais sólido, respeitado e um mercado de consumo mais forte.

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