14 abril 2008

O caso Isabella: o direito de informar, de ser informado, a intimidade e o interesse público.

O trágico crime de menina Isabella que, de fato, chocou a todos, tem sido explorado pela mídia, especialmente a tevê não só como um evento terrível, mas como um espetáculo. Diariamente, em vários horários é possível assistir nos canais comentaristas tratando do assunto. E como não há muito a ser falado, fica-se repetindo a mesma tecla insistentemente.

O vídeo que mostra a família indo a um supermercado horas antes do delito, foi passado centenas de vezes! Nos tempos modernos de mídia televisiva, alguns crimes acabam sendo tratados como verdadeiros produtos de massa e, mais uma vez, o caso atual não escapou do modelo. Será a busca pela audiência de que tanto se fala? Tudo indica que sim, o que é uma pena.

Há sim questões de relevo social e público que exigem dedicação dos meios de comunicação, mas há aqueles dispensáveis quando não abusivos. Fazer, por exemplo, imagens da missa de sétimo dia de uma vítima de um crime hediondo não tem nenhum relevo jornalístico e invade a esfera de intimidade dos familiares, num momento de profunda dor e tormenta. O tempo de exposição na tevê e a falta de preocupação com os horários também é preocupante porque, especialmente em crimes como esse, as crianças expostas ao noticiário podem sofrer todo tipo de abalo psíquico e emocional.
De todo modo, comento a questão do ponto de vista jurídico para que se possam fazer algumas reflexões.

A Constituição Federal (CF) assegura o direito de informação, que pode ser contemplado em três espécies: a) o direito de informar; b) o direito de se informar; c) o direito de ser informado.

O direito de informar

É uma prerrogativa constitucional (uma permissão) concedida. A lei maior é clara em dizer que, dentro dos limites de seu próprio texto, a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição. (art. 220). A CF garante também a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (Art. 5º, IX).

Esses dispositivos, todavia, não são absolutos, uma vez que o direito de informar encontra limites no próprio texto constitucional, tal como o que assegura a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art.5º, X).

Anoto também que, como decorrência do direito de informar, a norma fundamental deixou garantido o direito da informação jornalística, e já nesse aspecto até mesmo declarou certos limites ao dispor que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV” . (art. 220, § 1º)

Portanto, há limites ao direito de informação em geral e à informação jornalística em particular. Todavia, é preciso compreender como e em que hipóteses esses limites funcionam. (Recorrerei aqui a minha tese a respeito da informação jornalística e do interesse público que a norma envolve, mas o farei dentro do pequeno espaço que disponho. Quem tiver interesse na exposição completa pode consultar meus comentários aos princípios constitucionais desenvolvidos no meu livro “Comentários ao Código de Defesa do Consumidor”, SP:Saraiva)

O direito de (oferecer) informação jornalística é, com efeito, simultaneamente um direito de receber informação jornalística. É o interesse público que está em jogo. Como o do direito de informar aparece como uma prerrogativa (permissão), tem-se uma espécie de paradoxo: permissão dos dois lados. O direito de informar tem relação com o direito de ser informado. Dois direitos, nenhum dever. O ciclo normativo mandar-obedecer não se completa.

Todavia, é exatamente esse outro direito de ser informado que vai permitir a construção da teoria capaz de fazer com que, também, os limites estabelecidos, por exemplo, no inciso X do art. 5º acima citado, não sejam absolutos. Veja.

Como há direito de se informar, há interesse público e a compreensão dessa relação pode ser feita a partir do conceito de papel social. Dessa forma, digo que, quando o interesse público o determinar (isto é, quando existir o direito de informar), pode a informação jornalística ser dada sempre que a pessoa alvo da informação esteja atuando num papel social público.

Esse papel social público, no qual os indivíduos estão investidos não gozam da garantia constitucional da inviolabilidade em termos de imagem (pública), e, muito pelo contrário, em vez de ter qualquer garantia legal, a pessoa pública tem deveres bastante amplos. Seu campo privado e íntimo é bastante reduzido (enquanto ela está no papel so­cial público).

O mesmo ocorrerá com todas as pessoas (físicas ou jurídicas) que, mesmo não estando investidas numa função pública, agem de alguma maneira no espaço social público. Por exemplo, um anúncio publicitário feito por uma empresa comercial. Como o anúncio tem caráter eminentemente público, atingindo difusamente toda a coletividade, a empresa comercial que o faz não goza das garantias do inciso X do art. 5º, no que respeita à sua imagem. O mesmo se dá quando ocorre um crime bárbaro ou quando um criminoso como, por exemplo um homicida ou estuprador, está solto e sua imagem é divulgada. O interesse público, no caso, se sobrepõe ao direito de imagem e, portanto, a foto do criminoso pode e deve ser divulgada.

Não nos esqueçamos, todavia, que mesmo as pessoas públicas têm vida privada e intimidade. Nesses casos a garantia constitucional é evidente. O horizonte do direito de informar termina assim que a ação do papel social público termina e inicia a do privado.


O direito de se informar

O direito de se informar é uma prerrogativa concedida às pessoas. Decorre do fato da existência da informação. Mas esse direito está limitado pelo sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. (art. 5º, XIV) e pelas demais garantias constitucionais.

Assim, pode-se dizer que é possível exigir a informação de quem a detém, desde que sejam respeitadas a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pes­soas.

E quanto ao sigilo profissional, dois aspectos devem ser abordados:
a) de um lado, a efetiva garantia do sigilo nos casos em que profissionalmente ela seja necessária ou signifique a garantia de outros direitos. Por exemplo, no caso do sigilo de fonte do jornalista, ela é necessária; na hipótese do psicanalista e seu cliente, ela é necessária e representa também a garantia do direito à intimidade;
b) de outro lado, o sigilo da fonte não pode significar o acobertamento de violações a garantias constitucionais, especialmente aquelas entendidas como princípios fundamentais ou supranormas, tais como a garantia do direito à vida e à dignidade da pessoa humana.

Dizendo em outros termos, ainda que o sigilo profissional esteja previsto como garantia, é necessário compreender sua correlação com as demais garantias constitucionais.

Além disso tudo, é preciso deixar claro que o sigilo profissional, além de sofrer limites do próprio texto constitucional, só é válido quando estritamente necessário ao exercício da profissão. Não é qualquer informação, mas aquela sem a qual a profissão não poderia ser exercida.

O direito de ser informado

No âmbito constitucional o direito de ser informado é menos amplo do que no sistema infraconstitucional de defesa do consumidor (Tema já por mim abordado nesta coluna mais de uma vez). O direito de ser informado nasce, sempre, do dever que alguém tem de informar.

Os órgãos públicos têm não só a obrigação de prestar informações como também a de praticar seus atos de forma transparente, atendendo ao princípio da publicidade (art. 5º, XXXIII e art. 37, “caput”).

A exceção fica por conta das hipóteses em que o sigilo seja necessário para o resguardo da segurança da sociedade e do Estado, como acontece nos casos em que a informação possa causar pânico.

Dessa maneira, no sistema constitucional, o dever de informar — donde decorre o direito de ser informado — está dirigido aos órgãos públicos. Além disso, como a informação está ligada ao princípio da moralidade, é de extrair daí o conteúdo ético necessário que deve pautar a informação fornecida. E ele é o valor ético fundamental da verdade.


Jornalismo e interesse público

Eis, pois, minha contribuição para o debate a respeito do direito de informação jornalística que envolve o interesse público e a possibilidade de se entender os limites em que esse direito pode e deve ser exercido. A construção de uma sociedade sadia, educada e bem informada passa pela ação daqueles que tem responsabilidade de colaborar na formação do público, seus interesses, seus medos, suas esperanças, suas alegrias e suas tragédias.

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabens! texto magnifico, claro e de grande ajuda aos estudantes, obrigado.

Anônimo disse...

Estudo na Unip tenho 17 anos, e todo este texto pode ser encontrado no livro comentarios ao codigo de defesa ao consumidor