11 junho 2007

Você sabia dos riscos que corre ao entregar seu automóvel ao serviço de valet?

Hoje tratarei dos abusos praticados pelos serviços dos chamados valets, oferecidos por uma série de estabelecimentos comerciais na cidade de São Paulo e em todo o país. Cito apenas alguns para rememorar: desrespeito às leis de trânsito, tais como excesso de velocidade, ultrapassagem de semáforo no vermelho, conversões proibidas, acionamento em marcha à ré, estacionamento em locais proibidos, o que inclui calçadas e guias rebaixadas etc.
O que, talvez, você, consumidor, não saiba é dos riscos que sofre ao entregar seu carro nas mãos de manobristas que assim agem. Além disso, na cidade de São Paulo, muitos desses serviços estão funcionando fora do exigido pela lei. É esse o tema de hoje.

1. Multas
Se o automóvel entregue nas mãos dos manobristas sofrer algum tipo de multa de trânsito, como de estacionamento irregular ou ultrapassagem proibida no semáforo, é o consumidor que arcará com seu pagamento. Claro que ele tem direito de se ressarcir junto ao serviço de valet ou do estabelecimento comercial que o oferece (restaurante, teatro, supermercado, shopping center, salão de beleza etc).
Mas, você já percebeu o problema, não é? Tem de pagar a multa, depois procurar o prestador do serviço ou restaurante, teatro etc e tentar receber. E, infelizmente, não há boas notícias por aqui, porque muitos estabelecimentos simplesmente negam-se a fazer o reembolso, alegando que não há prova de que foi o manobrista ou que não há como provar que aconteceu naquele momento, dentre outros tipos de escusas. A saída, então, é o Poder Judiciário, mas muitos desistem porque nem sempre o valor da multa compensa o trabalho e o custo.
Pior: se a multa gerar pontuação negativa no prontuário do proprietário, é para este que vai. Aliás, mesmo que o prestador do serviço ou o estabelecimento comercial faça o reembolso da multa, ainda assim, o consumidor sofrerá mais transtornos, pois terá ainda que apresentar recurso ao Detran e tentar provar que era outro o motorista. Algo muito difícil de conseguir.
Além disso, o comum é que o manobrista, ao verificar que o veículo sofreu multa, retire a notificação do vidro e a jogue fora. Conclusão: o consumidor só fica sabendo quando recebe o aviso para pagamento em casa.

2. Acidentes
Bem, há mais problemas. O manobrista pode riscar a lataria de seu carro, pode rasgar o assento, pode quebrar o câmbio, estragar o motor (lembre-se que, às vezes, até mesmo na cara do cliente, o manobrista sai cantando pneu ou chega rasgando, como se diz). Ele pode bater o veículo em outro ou na guia ou no poste etc. Pior: ele pode atropelar alguém. Acontece também dele deixar o veículo aberto e ele ser furtado ou furtarem coisas que estavam no interior etc ou, simplesmente, roubarem o próprio carro. (Para você se prevenir, veja as dicas abaixo).
Quem é o responsável por tudo isso?
A resposta que parece fácil, envolve uma análise separada de cada questão.


2.1 Danos no próprio veículo: na lataria, assento, motor, freio, câmbio etc.

A responsabilidade pelos danos, segundo a Lei, é tanto do prestador de serviço de valet como do estabelecimento comercial que o oferece. O problema é que, mais uma vez, nem tudo é constatado na hora ou pode ser provado pelo consumidor.
Alguns estacionamentos já adotam a tática de verificar os vícios aparentes que o carro tenha e, no ato da entrega do recibo, anotam as avarias. É uma boa ação que garante ambas as partes. Mas, muitos não fazem isso, nem os serviços de valet. Além do mais, os problemas com motor, câmbio etc não podem ser constatados desse modo. Logo, se o manobrista causar algum dano ao veículo, é difícil provar que aconteceu quando estava nas mãos dele.

2.2 Danos envolvendo terceiros: outro veículo e/ou a pessoa

A situação piora muito se o acidente causado pelo manobrista atingir bens de terceiros ou cause danos diretamente à outra pessoa, que deve ser socorrida, hospitalizada etc e, é mais grave ainda, se causa invalidez provisória, permanente e morte.
Em todos esses casos, segundo entendimento do Poder Judiciário, o proprietário do veículo causador do acidente poderá ser processado e responsabilizado para indenizar o terceiro atingido. E não é pouca coisa: evidentemente depende da extensão do dano, mas, por exemplo, pode ocorrer perda total do veículo do terceiro, hospitalização, invalidez ou morte.
A indenização nesses casos envolve tudo o que esse terceiro/vítima perdeu: a) valor do veículo ou seu conserto; b) transporte que ele teve que usar no período em que ficou sem poder usa-lo; c) a perda salarial pelos dias que esteve no hospital ou inválido para o trabalho; d) pensão salarial caso ele não possa mais trabalhar (a pensão é calculada de acordo com o salário da vítima – pode ser R$500,00 mensais ou R$5.000,00 ou mais -- e será devida até a vítima completar 65 anos – atualmente já há decisões mandando pagar até 70 anos, novo tempo de vida estimado para os brasileiros); e) pensão alimentícia para os dependentes da vítima em caso de morte (cálculo feito pelo mesmo critério anterior).
Além disso, poderá haver indenização pelos danos morais sofridos a ser paga à vítima que sobreviveu ou aos familiares da vítima falecida. Em caso de falecimento, as indenizações vão de 500 salários mínimos a 1.000 salários mínimos, ou seja o equivalente a R$190.000,00 até R$380.000,00 (podendo variar para menos ou para mais). E em caso de danos físicos, estéticos, invalidez etc os valores também variam para menos e para mais, dependendo do caso concreto.
Você vai se perguntar: mas a responsabilidade não é do prestador do serviço de valet ou do estabelecimento comercial? A resposta é sim, mas não muito alentadora. Realmente, eles serão os responsáveis finais. Porém, como a Judiciário entende que o proprietário que entrega o veículo ao terceiro (pode ser o manobrista, o filho, o amigo etc) é o primeiro responsável, este, uma vez processado, terá que arcar com toda a indenização. Somente depois de fazer o pagamento é que poderá acionar o prestador do serviço de valet ou o estabelecimento comercial.
Você viu, então, o tamanho do problema: só depois de anos de processo, sendo o proprietário condenado e pagando os valores fixados pelo Juiz, é que poderá tentar se ressarcir dos causadores diretos. É bom lembrar que, normalmente, esses prestadores de serviços são pequenas empresas sem capital para suportar o pagamento desse tipo de indenização, do mesmo modo que seus donos e pode acontecer de ser difícil encontra-los depois de certo tempo. O mesmo se diga em relação a alguns estabelecimentos comerciais. (Anoto que nessa questão da responsabilidade direta do proprietário, pode a vítima acionar judicialmente todos os responsáveis em conjunto e também há uma nova corrente jurisprudencial que quer responsabilizar o causador direto, mas é minoritária e, por isso, a chance de vitória é mínima.).
Claro que há o seguro: tanto o do consumidor (se tiver seguro para indenizar terceiros) como o do serviço de valet e do estabelecimento comercial. Contudo, se o consumidor tiver seguro, é necessário que não haja restrição na apólice para a entrega do veículo a terceiros, pois se houver a seguradora não quererá pagar a indenização. Além disso, as indenizações do seguro têm limites para cada tipo de dano e o Juiz não está limitado a eles: a condenação pode ser maior e o proprietário terá que pagar a diferença, que pode ser altíssima.
No caso do seguro do prestador do serviço de valet e do estabelecimento comercial, o mesmo se dá em relação aos limites. Mas, o principal nesse aspecto é que não dá para garantir que eles tenham seguro contratado.


3.O que fazer para se prevenir e para reclamar

A melhor prevenção, por tudo o que foi dito, é, sem dúvida, não se utilizar do serviço, especialmente se você desconfiar que seu veículo será largado na rua. Se é para estacionar nas ruas, faço isso você mesmo: é mais seguro; você estaciona em local permitido; fecha corretamente o veículo, liga o alarme e leva as chaves. Não precisa ser muito observador para descobrir se seu veículo será largado nas ruas. Há muitos lugares, onde não há estacionamento ao redor. Leia o recibo. Se não estiver indicado o estacionamento, pergunte onde é. Se nada for dito ou se você desconfiar que é mentira, simplesmente não entregue o veículo.
Todavia, se ficou com o manobrista e ocorreu algum tipo de dano, então faça o seguinte: a) as testemunhas são muito importantes. Se você estiver acompanhado de alguém no dia do furto/roubo, já ajuda, principalmente se não for seu parente. Mas, o ideal é descobrir na hora, no local, alguma pessoa que tenha assistido ao roubo ou furto, ou mesmo obter dos manobristas uma declaração nesse sentido (o que é muito difícil). Os manobristas podem, eventualmente, servir de testemunhas; b) Se o serviço de manobristas é daqueles que cumprem a legislação entregando recibo (tíquete, canhoto) na chegada, a prova está facilitada. Basta guardá-lo para juntar no processo. Não devolva o recibo em nenhuma hipótese, com base em nenhuma desculpa ou argumento; c) No caso de furto/roubo deve-se, ainda, tentar levar as testemunhas à delegacia para a lavratura do boletim de ocorrência, pois uma vinculação dos fatos na hora em que eles acontecem é muito boa; d) para qualquer tipo de dano, aja rapidamente. Se o estabelecimento se negar a indenizá-lo ou você perceber que estão enrolando, procure imediatamente um órgão de defesa do consumidor ou um advogado de confiança.
Tudo o que consta aqui vale tanto para furto/roubo do veículo quanto para batidas na lataria ocasionadas pelo manobrista e para furto/roubo de objetos deixados dentro do veículo. É evidente que nessas outras duas hipóteses a prova do ocorrido é ainda mais difícil.
Se a batida for grande e, por exemplo, o veículo não andar mais, ainda dá para fazer uma boa prova com testemunhas. Mas, se for pequena ou houver simples arranhões, o estabelecimento pode negar a ocorrência, dizendo que o veículo já estava daquele jeito.
Acontece o mesmo com objetos deixados no interior do veículo: o estabelecimento simplesmente nega o furto. Por isso, pelo menos no que diz respeito aos objetos, aconselha-se que não se deve, em hipótese alguma, deixar nenhum objeto de valor dentro do veículo.

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