31 julho 2007

O problema dos corpos não identificados e o prazo judicial para fixação de indenização.

Continuo hoje cuidando do problema dos acidentes aéreos de grandes proporções. Tratarei de dois assuntos: o primeiro, o da questão relativa aos corpos que não puderem ser identificados. O que devem fazer os familiares?
No segundo tema, respondo a alguns e-mails que recebi, nos quais me perguntaram quanto tempo os familiares terão de esperar para receber indenização. Será que terão de esperar anos até o fim do processo judicial?

Os corpos não dentificados Não bastasse todo sofrimento pela perda do ente querido na mais recente tragédia da aviação, há familiares que até o momento não conseguiram sepultar os corpos de seus parentes e é possível que, em alguns casos, não haja identificação. Realmente, nas condições em que se deu ao acidente é uma tarefa técnica muito difícil de ser realizada. Ainda restam dezenas de corpos para serem identificados.
Se fatalmente alguns corpos não puderem ser identificados, haverá necessidade da propositura de uma ação judicial específica para se obter o atestado de óbito.

Documentos a serem guardados
Primeiramente, lembro que esses familiares devem ser cautelosos na guarda dos documentos que assegurem que a pessoa estava no vôo sinistrado, para servir de prova nesse processo judicial. As listas de passageiros divulgadas pela Cia Aérea, a cópia do ticket ou passagem emitida pela agência de turismo, ou do e-ticket enviado por e-mail, a confirmação da reserva, o nome e endereço de testemunhas que tenham levado à pessoa ao aeroporto etc são elementos de prova e devem ser por eles guardados. O material publicado na imprensa e que apresente o nome do familiar também pode ser utilizado.


Ação judicial específica
Quanto à solução jurídica, ela está na Lei de Registros Públicos (Lei 6015/73), cujo artigo 88 regula o procedimento judicial de justificação para o assento de óbito de pessoas desaparecidas em naufrágios, inundações, incêndios, terremotos ou quaisquer outras catástrofes, dentre as quais, penso, enquadra-se a queda de aeronaves.
Nessa ação judicial, o Juiz, depois de apurar as provas, determinará a expedição do competente atestado de óbito, que é documento essencial para o eventual ajuizamento de ação visando receber indenização das por danos materiais, inclusive pensão alimentícia, e danos morais.

Ação de indenização: quanto tempo leva?

O segundo assunto de hoje envolve o tempo da ação judicial. Independentemente de tudo aquilo que normalmente se fala a respeito da demora do processo judicial, é importante realçar que em muitos casos o processo é resolvido com rapidez porque o sistema legal brasileiro permite que o juiz tome decisões liminarmente e naquilo que se chama “antecipação de tutela”. Quando estão presentes os requisitos legais e processuais, a parte pode obter o direito pleiteado em apenas alguns dias e mesmo em dois ou três dias. Em matéria de acidente de consumo, como este da queda do avião, é possível que o juiz fixe indenizações liminarmente em antecipação de tutela. Explico a seguir porque.

Risco da companhia aérea
O transportador responde objetivamente pelo risco que sua atividade gera aos consumidores e à sociedade em geral. É o risco integral do negócio ou atividade econômica.
O Código de Defesa do Consumidor, aplicável ao caso, fala em responsabilidade pelo fato do produto e do serviço. Isto é, a norma, dentro do regramento da responsabilidade objetiva, é dirigida ao próprio acidente: é o fato do produto e do serviço causadores do dano o que importa.
Nexo de causalidade
O estabelecimento da responsabilidade de indenizar nasce do nexo de causalidade existente entre: a) o consumidor lesado (a vítima e seus familiares e também o consumidor equiparado: no caso, aqueles atingidos na rua e nos prédios); b) o produto e/ou o serviço; c) o dano efetivamente ocorrido.
É essa a teoria ___ e a realidade ___ fundante da responsabilidade civil objetiva estatuída na lei. Por isso, friso: se o estabelecimento da responsabilidade de indenizar nasce do nexo de causalidade existente entre o consumidor (lesado), o produto e/ou o serviço e o dano efetivamente ocorrente, basta que, no processo esses elementos sejam apresentados logo no início da ação judicial para que o juiz conceda liminarmente a antecipação de tutela.
No caso do acidente aéreo, os familiares devem demonstrar que a vítima estava no avião ou foi atingido por ele; devem mostrar o grau de relação com a vítima e a dependência econômico-financeira que existia; c) devem juntar comprovantes dos rendimentos recebidos pela vítima; deve apresentar os gastos realizados etc. Se for caso de sobrevivente, é preciso fazer o mesmo tipo de prova. Isto feito, é a prova inequívoca a convencer o Judiciário da necessidade da concessão da antecipação de tutela.
O Judiciário tem concedido esses pedidos liminarmente e ao leitor interessado, publico no site decisões concedendo em antecipação de tutela pedidos de indenização.
Entenda, lendo abaixo, porque é possível obter esse tipo de indenização liminarmente.

A responsabilidade objetiva: não se apura culpa
Não há necessidade de apuração da culpa. É que, como adiantado acima, a responsabilidade objetiva tem relação direta com o risco da atividade empresarial. O empreendedor tem o direito de estabelecer-se com seu negócio (no caso, o transporte aéreo) explorando o mercado de consumo. Essa exploração lhe dá o direito ao sucesso, quando afere lucros, mas também ao fracasso, suportando perdas. O cálculo que ele faz em relação à exploração de sua atividade, é um cálculo voltado a prevenir os riscos de seu negócio para maximizar os lucros e diminuir as perdas.
Ora, em toda atividade as perdas são inevitáveis. Além disso, a própria exploração da atividade gera risco social, independentemente da vontade do empreendedor. Juridicamente, a culpa está ligada ao elemento subjetivo da vontade do agente e sua ação conseqüente (negligência, imprudência ou imperícia).
É por demais evidente que, quando cai um avião, o terrível evento não se dá por vontade do transportador; do mesmo modo que quando o freio de um automóvel falha, isso não representa a vontade da montadora; nem quando um aparelho de ar condicionado se incendeia, tal fato não decorre da vontade do fabricante etc.
A lei sabe disso. Ela sabe que, apesar da vontade do fabricante, prestador do serviço etc, e por mais que ele se esforce, algum produto quebrará ou serviço falhará causando danos ao consumidor. E é por isso que ela estabeleceu a responsabilidade objetiva. É responsabilidade que decorre da mera circunstância de existir o empreendimento e está ligada ao risco de sua atividade. Como o fornecedor recebe o preço pelo produto ou serviço colocado no mercado (com ou sem defeito), é a receita daí advinda que responde pelos danos.
Portanto, no acaso do acidente aéreo, não há que se falar em apuração de culpa. Não importa de quem seja, se da pista escorregadia, do equipamento do avião que não funcionou, da falta de manutenção, de erro dos pilotos etc. Para mandar a companhia aéreas indenizar as vítimas e seus familiares não há necessidade dessa apuração. É, repito, responsabilidade direta decorrente do risco de sua atividade.
Claro que, a companhia aérea poderá, após pagar a indenização, buscar se ressarcir do responsável último pelo dano, momento em que terá de provar a culpa do causador, mas isso não afeta o direito do consumidor atingido e seus familiares.

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