Antes de falar de direito do consumidor, não resisto à tentação de fazer comentário a respeito da mentalidade imperialista européia em geral e espanhola em particular. Mentalidade esta tão bem descrita no livro de Edward W. Said, “Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente” (São Paulo: Cia das Letras).
Muito bem. Há cerca de cinco ou seis anos atrás, participei como palestrista de um Congresso sobre Direito Ambiental. Havia sido convidada uma jurista espanhola especialista na assunto. Ela fez uma bela exposição sobre a questão ambiental planetária e terminou por fazer a seguinte proposta. Ela disse que a Amazônia por ser uma espécie de pulmão planetário devia ser bem cuidada (obviamente, diria eu) e que por sua importância cabia a todas as nações com ela se preocupar. A jurista européia sustentou que os políticos e/ou juristas de qualquer nação (provavelmente “qualquer” na linguagem equivalesse a dizer: ”europeu ou americano”) poderiam pleitear medidas no Brasil para “proteger” a floresta amazônica.
Sempre a boa e velha política intervencionista e como sempre também travestida de boas intenções. Quando chegou minha vez de falar, perguntei à ela: “Como o tema aqui é o da proteção do meio ambiente, da fauna e da flora, gostaria de saber se os juristas brasileiros poderiam ingressar com uma ação judicial lá na sua terra para impedir a tourada, essa prática medieval de maus tratos aos animais?”. Ela, com sorriso amarelo, disse que também era contra e que combatia aquela tradição espanhola, mas de todo modo insistiu com o mote imperialista.
Evidente que não se pode generalizar. Há europeus respeitadores de todos os povos e dos direitos humanos instituídos. Evidente também que o governo espanhol tem o direito de não aceitar o ingresso em seu território de estrangeiros que não cumpram com suas exigências (a respeito desse assunto, vide os direitos dos consumidores brasileiros abaixo). O que chama a atenção no episódio espanhol é a maneira como os brasileiros foram abordados.
Segundo os relatos, eles permaneceram horas trancados sem alimentação e sem água, foram carregados para lá e para cá como criminosos e foram humilhados: alguns policiais falavam grosseiramente e faziam comentários jocosos.
Antes de mais nada, é necessário chamar a atenção para o fato de que eles desembarcaram no aeroporto espanhol abertamente, pela porta de entrada, isto é, pela porta do avião. Não eram clandestinos que penetraram escondidos no território espanhol. Mereciam, portanto, mais respeito e deviam ter sido tratados com educação, mesmo que fosse para ser mandados de volta. Aliás, foram submetidos a longos interrogatórios sem qualquer função. Afinal, se era para mandá-los de volta bastava oferecer atendimento digno e depois embarcá-los no avião. Interrogatório para o que? Só se admitiria que fizessem perguntas se depois disso, desvendando o motivo da viagem, eles pudessem permanecer em solo estrangeiro. Repito: interrogatório para mera negativa de permanência parece discriminação.
O Governo brasileiro deve mesmo agir com rigor, exigindo o respeito que os brasileiros merecem.
Falo agora dos danos sofridos. Muitos consumidores não sabem que, apesar de certos países não exigirem visto para entrada e estadia, são deles exigidos uma série de requisitos para o ingresso no território estrangeiro. Ora, por determinação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), cabe ao fornecedor oferecer essas informações ao consumidor.
Qualquer brasileiro que quiser ir ao exterior, particularmente à Europa, terá de adquirir passagem aérea ou marítima. E isso ele faz mediante uma agência de viagens ou diretamente na companhia aérea. Em ambos os casos, são os fornecedores-vendedores do bilhete os responsáveis por fornecerem as informações mínimas sobre os requisitos que possam impedir a frustração da viagem.
Por definição legal, o consumidor é hipossuficiente tecnicamente falando,ou seja, a lei presume – no que está corretíssima – que o consumidor não conhece os produtos ou os serviços que está adquirindo. Além disso, e em complemento a esse aspecto, o CDC é taxativo em obrigar que o fornecedor seja claro naquilo que oferece e vende.
E para que não restem dúvidas, transcrevo o próprio texto da lei. Está escrito: “A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”.
Não é preciso, portanto, muito esforço interpretativo para verificar que as agências de viagens e as companhias aéreas são responsáveis pelos danos que os consumidores possam sofrer na hipótese de terem sido repatriados se, de fato, não tiverem recebidos as corretas informações sobre como agir e o que levar na viagem. Não nos esqueçamos que tanto a agência de viagem como a companhia aérea recebem o preço do que venderam e, por isso, são responsáveis pelo sucesso da viagem, pelo menos em função daquilo que devem oferecer ao consumidor. O consumidor somente será o único responsável se, tendo recebido as informações, não der à elas a importância devida.
E essa questão dos requisitos impostos pelos países estrangeiros afeta não só apenas os “marinheiros de primeira viagem”. Atinge a todos, mesmo os que estão acostumados a viajar ao exterior, porque os países modificam as exigências a toda hora.
Com o episódio da Espanha, por exemplo, descobrimos que, além do costumeiramente pedido (passaporte válido por pelo menos seis meses e bilhete de retorno), está sendo exigido comprovante de reserva em estabelecimento de hospedagem ou carta-convite de morador local, confirmação de reserva de viagem organizada com o itinerário, seguro médico internacional com requisitos específicos, portar o consumidor no mínimo 57,06 euros por dia de permanência etc.
Vê-se, por todo o exposto, que o consumidor que sofrer algum tipo de lesão em função de não ter sido informado adequadamente das exigências de ingresso no país (o do ponto final da viagem ou o país de passagem) poderá pleitear a indenização correspondente por dano material e/ou moral sofrido. E quem deve ressarci-lo é a agência de viagem ou a companhia aérea. A primeira, se vendeu tanto a passagem aérea como o pacote completo e a segunda, se vendeu a passagem aérea diretamente.
Termino lembrando que os direitos do consumidor são os mesmos quer a passagem seja comprada, quer a passagem seja recebida por crédito de programa de milhagem. As informações que devem ser oferecidas são as mesmas.
Muito bem. Há cerca de cinco ou seis anos atrás, participei como palestrista de um Congresso sobre Direito Ambiental. Havia sido convidada uma jurista espanhola especialista na assunto. Ela fez uma bela exposição sobre a questão ambiental planetária e terminou por fazer a seguinte proposta. Ela disse que a Amazônia por ser uma espécie de pulmão planetário devia ser bem cuidada (obviamente, diria eu) e que por sua importância cabia a todas as nações com ela se preocupar. A jurista européia sustentou que os políticos e/ou juristas de qualquer nação (provavelmente “qualquer” na linguagem equivalesse a dizer: ”europeu ou americano”) poderiam pleitear medidas no Brasil para “proteger” a floresta amazônica.
Sempre a boa e velha política intervencionista e como sempre também travestida de boas intenções. Quando chegou minha vez de falar, perguntei à ela: “Como o tema aqui é o da proteção do meio ambiente, da fauna e da flora, gostaria de saber se os juristas brasileiros poderiam ingressar com uma ação judicial lá na sua terra para impedir a tourada, essa prática medieval de maus tratos aos animais?”. Ela, com sorriso amarelo, disse que também era contra e que combatia aquela tradição espanhola, mas de todo modo insistiu com o mote imperialista.
Evidente que não se pode generalizar. Há europeus respeitadores de todos os povos e dos direitos humanos instituídos. Evidente também que o governo espanhol tem o direito de não aceitar o ingresso em seu território de estrangeiros que não cumpram com suas exigências (a respeito desse assunto, vide os direitos dos consumidores brasileiros abaixo). O que chama a atenção no episódio espanhol é a maneira como os brasileiros foram abordados.
Segundo os relatos, eles permaneceram horas trancados sem alimentação e sem água, foram carregados para lá e para cá como criminosos e foram humilhados: alguns policiais falavam grosseiramente e faziam comentários jocosos.
Antes de mais nada, é necessário chamar a atenção para o fato de que eles desembarcaram no aeroporto espanhol abertamente, pela porta de entrada, isto é, pela porta do avião. Não eram clandestinos que penetraram escondidos no território espanhol. Mereciam, portanto, mais respeito e deviam ter sido tratados com educação, mesmo que fosse para ser mandados de volta. Aliás, foram submetidos a longos interrogatórios sem qualquer função. Afinal, se era para mandá-los de volta bastava oferecer atendimento digno e depois embarcá-los no avião. Interrogatório para o que? Só se admitiria que fizessem perguntas se depois disso, desvendando o motivo da viagem, eles pudessem permanecer em solo estrangeiro. Repito: interrogatório para mera negativa de permanência parece discriminação.
O Governo brasileiro deve mesmo agir com rigor, exigindo o respeito que os brasileiros merecem.
Falo agora dos danos sofridos. Muitos consumidores não sabem que, apesar de certos países não exigirem visto para entrada e estadia, são deles exigidos uma série de requisitos para o ingresso no território estrangeiro. Ora, por determinação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), cabe ao fornecedor oferecer essas informações ao consumidor.
Qualquer brasileiro que quiser ir ao exterior, particularmente à Europa, terá de adquirir passagem aérea ou marítima. E isso ele faz mediante uma agência de viagens ou diretamente na companhia aérea. Em ambos os casos, são os fornecedores-vendedores do bilhete os responsáveis por fornecerem as informações mínimas sobre os requisitos que possam impedir a frustração da viagem.
Por definição legal, o consumidor é hipossuficiente tecnicamente falando,ou seja, a lei presume – no que está corretíssima – que o consumidor não conhece os produtos ou os serviços que está adquirindo. Além disso, e em complemento a esse aspecto, o CDC é taxativo em obrigar que o fornecedor seja claro naquilo que oferece e vende.
E para que não restem dúvidas, transcrevo o próprio texto da lei. Está escrito: “A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”.
Não é preciso, portanto, muito esforço interpretativo para verificar que as agências de viagens e as companhias aéreas são responsáveis pelos danos que os consumidores possam sofrer na hipótese de terem sido repatriados se, de fato, não tiverem recebidos as corretas informações sobre como agir e o que levar na viagem. Não nos esqueçamos que tanto a agência de viagem como a companhia aérea recebem o preço do que venderam e, por isso, são responsáveis pelo sucesso da viagem, pelo menos em função daquilo que devem oferecer ao consumidor. O consumidor somente será o único responsável se, tendo recebido as informações, não der à elas a importância devida.
E essa questão dos requisitos impostos pelos países estrangeiros afeta não só apenas os “marinheiros de primeira viagem”. Atinge a todos, mesmo os que estão acostumados a viajar ao exterior, porque os países modificam as exigências a toda hora.
Com o episódio da Espanha, por exemplo, descobrimos que, além do costumeiramente pedido (passaporte válido por pelo menos seis meses e bilhete de retorno), está sendo exigido comprovante de reserva em estabelecimento de hospedagem ou carta-convite de morador local, confirmação de reserva de viagem organizada com o itinerário, seguro médico internacional com requisitos específicos, portar o consumidor no mínimo 57,06 euros por dia de permanência etc.
Vê-se, por todo o exposto, que o consumidor que sofrer algum tipo de lesão em função de não ter sido informado adequadamente das exigências de ingresso no país (o do ponto final da viagem ou o país de passagem) poderá pleitear a indenização correspondente por dano material e/ou moral sofrido. E quem deve ressarci-lo é a agência de viagem ou a companhia aérea. A primeira, se vendeu tanto a passagem aérea como o pacote completo e a segunda, se vendeu a passagem aérea diretamente.
Termino lembrando que os direitos do consumidor são os mesmos quer a passagem seja comprada, quer a passagem seja recebida por crédito de programa de milhagem. As informações que devem ser oferecidas são as mesmas.
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