O vício está nas manchetes. São dezenas de filmes que apresentam o drama de pessoas viciadas no jogo de cartas, em cassinos, no álcool e outras drogas, afora o noticiário que a todo momento mostra o drama do vício atingindo gente famosa ou gerando acidentes graves e crimes inacreditáveis.
No filme recém-lançado Conduta de Risco, George Clooney interpreta um advogado viciado em pôquer e que, por isso, passa uma série de necessidades; no também recente filme O sonho de Cassandra, Woody Allen escreve uma tragédia em que um dos personagens se endivida também no vício do pôquer, sempre alimentado por um agiota, pronto a lhe emprestar mais dinheiro para as apostas.
O vício é uma doença de há muito detectada e tratada terapeuticamente e que pode atingir qualquer pessoa, independentemente de classe social, condição econômica e formação intelectual. Um bom e incrível exemplo disso é o de um dos maiores escritores de todos os tempos, o russo Dostoiévski, que foi viciado nas roletas e nelas perdeu seus bens e amigos. Depois, como que para tentar exorcizar a doença, escreveu mais um maravilhoso livro, O Jogador.
Muito bem. Fiz essa introdução apenas para referir a gravidade do vício e tratarei de um, contemporâneo e fruto da sociedade capitalista em que vivemos: a oneomania (também se escreve oniomania). A palavra significa, ao pé da letra, “mania de comprar” e também é utilizada para identificar os compradores compulsivos.
A última Revista do Procon de São Paulo trás uma matéria sobre o assunto, dando um alerta aos consumidores. E, realmente, se uma pessoa tem essa doença age como um viciado e tem atitudes parecidas com as de qualquer um deles.
O comprador compulsivo é aquele que se satisfaz não com o objeto da compra, mas com o ato de comprar. Por isso, ele pode literalmente comprar qualquer coisa que lhe surja na frente. O ápice de sua satisfação se dá no momento da compra. Depois, quando chega em casa, os objetos podem ser abandonados porque não têm mais utilidade. Só a próxima compra o satisfará.
O problema para identificar a doença está em que naturalmente esse tipo de comprador é um consumidor típico e, portanto, freqüenta os mesmos lugares que os demais. Daí, ele acaba comprando compulsivamente, mas os objetos são aqueles que todos compram, inclusive ele mesmo quando não tinha a crise. Gasta em roupas, sapatos, bolsas, canetas, cds etc e com isso, às vezes, nem ele nem os que estão à sua volta percebem o problema. Parece apenas que ele é exagerado ou uma espécie de colecionador.
O estímulo para a compra de produtos e serviços é feito pelo sistema de marketing, com propagandas em profusão e todos os outros meios de indução. Crescemos comprando e não conseguimos imaginar-nos vivendo sem fazê-lo.
Como eu costumo dizer, parafraseando Descartes: “Consumo, logo existo”. Somos uma sociedade de consumidores e, infelizmente, as pessoas são vistas, avaliadas, medidas por aquilo que possuem, ostentam ou podem adquirir.
No século XX houve um brutal incremento do sistema de créditos e de facilitação às compras. A expansão do sistema financeiro internacional e o largo acesso ao crédito tem como base o aumento da produção industrial, pois se assim não fosse seria impossível vender o que se fabrica.
Além disso, o sistema capitalista compreendeu bem uma das questões de ordem psicológica, que poderia ser capaz de frear as vendas. Falo do dinheiro que se gasta quando se compra. Se você tivesse que pagar em dinheiro toda e qualquer compra, saberia, ao menos quando carregasse as moedas, “o peso” de sua perda. Você estaria trocando, por exemplo, alguns maços de papel moeda por um terno, um sapato ou uma bolsa. Você trocaria muitos maços de dinheiro por uma viagem ao exterior e você entregaria uma mala cheia dele para receber em troca um automóvel. Você “enxergaria” o quanto estava gastando.
Mas, o comprador não percebe isso. Ele simplesmente passa um cheque, que representa o dinheiro e que, sintomaticamente, ele nem possui concretamente, pois está no banco. Quer dizer, está num número numa conta. Nem no cofre da agência bancária está.
E o sistema financeiro foi ampliando essa ocultação. Num primeiro momento, então, como disse, o consumidor passa um cheque, que representa o dinheiro que ele possui. Mas, num segundo momento, por conta do sistema de créditos, ele passa um cheque sem nem mesmo ter o dinheiro. É o cheque especial: o crédito que está lá à sua disposição para você usar. É como uma tentação dizendo “me usa” que eu te satisfaço. Ele age de forma similar ao agiota do filme de Woody Allen.
Isso é tão verdadeiro, que, com a “evolução” do sistema capitalista e seus modos de controle, estímulo e alienação dos consumidores, o cheque especial, que no início tinha de ser solicitado, atualmente é colocado na conta corrente -- é acoplado à ela --, sem que o cliente peça. Fica lá, virtualmente, como uma possibilidade. Na realidade, uma provocação ao consumo.
Mais, há mais. O sistema de cartão de crédito é outro fortíssimo estímulo às compras. Ele é, digamos, assim, mágico. Um pedaço de plástico que dá acesso aos bens materiais existentes no mercado. Com ele se pode, quase que literalmente adquirir tudo o que existe. E o usuário do cartão nem precisa ter dinheiro.
Na atualidade, com a espetacular incrementação da Internet, não só as compras tornam-se instantâneas e feitas de dentro das casas, como os pagamentos também. As transferências bancárias on line (Docs e Teds), os pagamentos automáticos de contas e faturas de todos os tipos, desde serviços essenciais como gás, água e energia elétrica, até aluguéis de tevê à cabo, compras parceladas etc, tudo é feito rápida e imperceptivelmente. Nos débitos automáticos, o consumidor nem precisa mais participar.
Tudo isso, vai alienando o consumidor do que realmente ocorre. Ele não se dá conta do gasto efetivo de suas economias nem de seu endividamento constante.
Logo, o mercado insufla os “vírus” da doença que pode atingir qualquer um mais ou menos avisado, já que as armadilhas estão muito bem engendradas.(Nem preciso falar da ampla utilização do cheque pré-datado que é uma marca brasileira, mas nem por isso menos perniciosa e que afeta sobremaneira o modo de compra e de endividamento).
É preciso, pois, tomar muito cuidado antes de fazer compras e assumir dívidas. E é importante também que todas as pessoas prestem atenção à atitude de compra e endividamento de seus familiares e pessoas queridas, para tentar detectar a doença.
Um sintoma freqüente está ligado ao endividamento. O comprador compulsivo adquire produtos sem parar e vai se endividando para pagar por coisas que ele não precisa. Muitas vezes já as tem em excesso, mas continua comprando. O compulsivo gasta todo seu salário, estoura o limite do cartão de crédito e do cheque especial e até faz empréstimos apenas para continuar adquirindo o que não lhe faz falta.
É claro que, se o comprador com oneomania for uma pessoa de posses e puder gastar muito dinheiro, será mais difícil identificar a doença, pois ela acumulará produtos e mais produtos em sua casa ainda que nunca os utilize. Aliás, um modo de identificação da doença está em verificar o excesso da compra de produtos, que jamais são usados.
Encerro dizendo que, para quem estiver passando por esse tipo de problema ou que tenha algum familiar com a doença, é bom saber que existem em várias cidades brasileiras os grupos de auto-ajuda intitulado “Devedores Anônimos”, que funcionam nos mesmos moldes dos “Alcoólatras Anônimos”, que muito ajudam os doentes. Basta uma consulta à Internet para ter acesso a essas boas associações. O tratamento com psicoterapia é também recomendado.
No filme recém-lançado Conduta de Risco, George Clooney interpreta um advogado viciado em pôquer e que, por isso, passa uma série de necessidades; no também recente filme O sonho de Cassandra, Woody Allen escreve uma tragédia em que um dos personagens se endivida também no vício do pôquer, sempre alimentado por um agiota, pronto a lhe emprestar mais dinheiro para as apostas.
O vício é uma doença de há muito detectada e tratada terapeuticamente e que pode atingir qualquer pessoa, independentemente de classe social, condição econômica e formação intelectual. Um bom e incrível exemplo disso é o de um dos maiores escritores de todos os tempos, o russo Dostoiévski, que foi viciado nas roletas e nelas perdeu seus bens e amigos. Depois, como que para tentar exorcizar a doença, escreveu mais um maravilhoso livro, O Jogador.
Muito bem. Fiz essa introdução apenas para referir a gravidade do vício e tratarei de um, contemporâneo e fruto da sociedade capitalista em que vivemos: a oneomania (também se escreve oniomania). A palavra significa, ao pé da letra, “mania de comprar” e também é utilizada para identificar os compradores compulsivos.
A última Revista do Procon de São Paulo trás uma matéria sobre o assunto, dando um alerta aos consumidores. E, realmente, se uma pessoa tem essa doença age como um viciado e tem atitudes parecidas com as de qualquer um deles.
O comprador compulsivo é aquele que se satisfaz não com o objeto da compra, mas com o ato de comprar. Por isso, ele pode literalmente comprar qualquer coisa que lhe surja na frente. O ápice de sua satisfação se dá no momento da compra. Depois, quando chega em casa, os objetos podem ser abandonados porque não têm mais utilidade. Só a próxima compra o satisfará.
O problema para identificar a doença está em que naturalmente esse tipo de comprador é um consumidor típico e, portanto, freqüenta os mesmos lugares que os demais. Daí, ele acaba comprando compulsivamente, mas os objetos são aqueles que todos compram, inclusive ele mesmo quando não tinha a crise. Gasta em roupas, sapatos, bolsas, canetas, cds etc e com isso, às vezes, nem ele nem os que estão à sua volta percebem o problema. Parece apenas que ele é exagerado ou uma espécie de colecionador.
O estímulo para a compra de produtos e serviços é feito pelo sistema de marketing, com propagandas em profusão e todos os outros meios de indução. Crescemos comprando e não conseguimos imaginar-nos vivendo sem fazê-lo.
Como eu costumo dizer, parafraseando Descartes: “Consumo, logo existo”. Somos uma sociedade de consumidores e, infelizmente, as pessoas são vistas, avaliadas, medidas por aquilo que possuem, ostentam ou podem adquirir.
No século XX houve um brutal incremento do sistema de créditos e de facilitação às compras. A expansão do sistema financeiro internacional e o largo acesso ao crédito tem como base o aumento da produção industrial, pois se assim não fosse seria impossível vender o que se fabrica.
Além disso, o sistema capitalista compreendeu bem uma das questões de ordem psicológica, que poderia ser capaz de frear as vendas. Falo do dinheiro que se gasta quando se compra. Se você tivesse que pagar em dinheiro toda e qualquer compra, saberia, ao menos quando carregasse as moedas, “o peso” de sua perda. Você estaria trocando, por exemplo, alguns maços de papel moeda por um terno, um sapato ou uma bolsa. Você trocaria muitos maços de dinheiro por uma viagem ao exterior e você entregaria uma mala cheia dele para receber em troca um automóvel. Você “enxergaria” o quanto estava gastando.
Mas, o comprador não percebe isso. Ele simplesmente passa um cheque, que representa o dinheiro e que, sintomaticamente, ele nem possui concretamente, pois está no banco. Quer dizer, está num número numa conta. Nem no cofre da agência bancária está.
E o sistema financeiro foi ampliando essa ocultação. Num primeiro momento, então, como disse, o consumidor passa um cheque, que representa o dinheiro que ele possui. Mas, num segundo momento, por conta do sistema de créditos, ele passa um cheque sem nem mesmo ter o dinheiro. É o cheque especial: o crédito que está lá à sua disposição para você usar. É como uma tentação dizendo “me usa” que eu te satisfaço. Ele age de forma similar ao agiota do filme de Woody Allen.
Isso é tão verdadeiro, que, com a “evolução” do sistema capitalista e seus modos de controle, estímulo e alienação dos consumidores, o cheque especial, que no início tinha de ser solicitado, atualmente é colocado na conta corrente -- é acoplado à ela --, sem que o cliente peça. Fica lá, virtualmente, como uma possibilidade. Na realidade, uma provocação ao consumo.
Mais, há mais. O sistema de cartão de crédito é outro fortíssimo estímulo às compras. Ele é, digamos, assim, mágico. Um pedaço de plástico que dá acesso aos bens materiais existentes no mercado. Com ele se pode, quase que literalmente adquirir tudo o que existe. E o usuário do cartão nem precisa ter dinheiro.
Na atualidade, com a espetacular incrementação da Internet, não só as compras tornam-se instantâneas e feitas de dentro das casas, como os pagamentos também. As transferências bancárias on line (Docs e Teds), os pagamentos automáticos de contas e faturas de todos os tipos, desde serviços essenciais como gás, água e energia elétrica, até aluguéis de tevê à cabo, compras parceladas etc, tudo é feito rápida e imperceptivelmente. Nos débitos automáticos, o consumidor nem precisa mais participar.
Tudo isso, vai alienando o consumidor do que realmente ocorre. Ele não se dá conta do gasto efetivo de suas economias nem de seu endividamento constante.
Logo, o mercado insufla os “vírus” da doença que pode atingir qualquer um mais ou menos avisado, já que as armadilhas estão muito bem engendradas.(Nem preciso falar da ampla utilização do cheque pré-datado que é uma marca brasileira, mas nem por isso menos perniciosa e que afeta sobremaneira o modo de compra e de endividamento).
É preciso, pois, tomar muito cuidado antes de fazer compras e assumir dívidas. E é importante também que todas as pessoas prestem atenção à atitude de compra e endividamento de seus familiares e pessoas queridas, para tentar detectar a doença.
Um sintoma freqüente está ligado ao endividamento. O comprador compulsivo adquire produtos sem parar e vai se endividando para pagar por coisas que ele não precisa. Muitas vezes já as tem em excesso, mas continua comprando. O compulsivo gasta todo seu salário, estoura o limite do cartão de crédito e do cheque especial e até faz empréstimos apenas para continuar adquirindo o que não lhe faz falta.
É claro que, se o comprador com oneomania for uma pessoa de posses e puder gastar muito dinheiro, será mais difícil identificar a doença, pois ela acumulará produtos e mais produtos em sua casa ainda que nunca os utilize. Aliás, um modo de identificação da doença está em verificar o excesso da compra de produtos, que jamais são usados.
Encerro dizendo que, para quem estiver passando por esse tipo de problema ou que tenha algum familiar com a doença, é bom saber que existem em várias cidades brasileiras os grupos de auto-ajuda intitulado “Devedores Anônimos”, que funcionam nos mesmos moldes dos “Alcoólatras Anônimos”, que muito ajudam os doentes. Basta uma consulta à Internet para ter acesso a essas boas associações. O tratamento com psicoterapia é também recomendado.
Um comentário:
Demorei muito para concluir que sofro de oneomania...Pessoas próximas sempre me disseram que o dinheiro não dura muito tempo na minha mão por pura falta de responsabilidade...mas só tomo consciência de que gasto sem necessidade depois, qdo me vejo sem dinheiro nenhum, por exemplo, hj é dia 29/05 e peguei R$50,00 com meu marido no dia 27/05 e lhe disse que não podia ficar sem nada até o dia do meu pgto. (15/06); pois bem , não tenho mais nada, sei que precisaria economisar mas gastei o dinheiro com coisas bobas tipo, lojinha de 1.99 e agora, me sentindo triste e culpada estou à procura de ajuda.... se puder indicar um tratamento em Santos, agradeço muito. Obrigada
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