17 novembro 2008

O corpo humano, o mercado de consumo e a ética.


Na segunda metade do século XX, pudemos assistir ao incrível incremento da tecnologia, do avanço das telecomunicações, da microinformática, do surgimento dos telefones celulares, da internet, enfim, a sociedade capitalista começava a alcançar a ficção científica. Aliás, prometia, um conforto jamais imaginado (pena que ele jamais chegará para a maior parte da população do planeta).
Muito bem. O desenvolvimento das ciências naturais aliada à tecnologia de ponta, se deve em larga medida a existência de um enorme mercado de consumo. A maior parte dos cientistas do final do século XX, início do século XXI não é mais aquele romântico pesquisador que pretende, com suas descobertas, trazer melhor condição de vida às pessoas. O mercado tudo engole e adotou o pesquisador como empregado, ávido por descobertas patenteáveis capazes de enriquecê-lo e a seus patrões com os correspondentes royalties. Se não há mercado, não há pesquisa. Esse é o lema. Para quem duvida indico o filme “O óleo de Lorenzo”, que conta a história verídica da luta dos pais do menino Lorenzo na tentativa de descobrir uma solução para a sua doença percebem que esta não surge por falta de mercado: havia um número insuficiente de crianças doentes na relação com o custo do investimento na pesquisa.

Ou, como disse um famoso médico brasileiro: “No mundo atual está se investindo cinco vezes mais em remédios para virilidade masculina e silicone para mulheres do que na cura do Mal de Alzheimer. Daqui a alguns anos, teremos velhas de seios grandes e velhos de membro ereto, mas eles não se lembrarão para que servem”

Trato, pois, de um dos aspetos mais evidentes dos avanços da ciência tecnológica: a venda e reforma de partes do corpo humano. Quase como no filme de Franquenstein, existe a possibilidade da ficção virar realidade. Evidente que há muita coisa boa. O avanço da biologia e da medicina permitem os transplantes de órgãos que salvam muitas vidas, que devolvem funções do corpo humano que estavam perdidas ou que dão a visão às pessoas etc. Tudo isso é muito bem vindo. E há mais: as várias próteses, as operações corretivas com ajuda de micro instrumentos e uma numerosa quantidade de procedimentos outrora impensáveis. Isso tudo é muito bem vindo.

Ao lado disso, o mercado passou a oferecer toda sorte de cirurgias estéticas. Não só é possível deixar de usar óculos, fazendo uma fantástica, muito rápida e indolor operação oftálmica (que, aliás, é executada praticamente em série, uma atrás da outra), como homens e mulheres podem literalmente comprar partes do corpo humano, ou fazer trocas no próprio corpo com enxertos.

A busca do corpo perfeito, da forma sempre esguia e jovem, esses produtos tão bem vendidos no mercado de consumo, fez surgir um enorme mercado de reposição de “peças” humanas. Naturalmente, não há nenhum mal em que as pessoas queiram fazer as correções que entenderem necessárias, desde que façam conscientes e com acompanhamento médico adequado. Podem querer fazer lipoaspiração para jogar fora as gorduras indesejáveis e difíceis de perder; ou desejar eliminar as papas dos olhos; as mulheres podem querer aumentar seus seios ou corrigi-los etc. É mero exercício do direito de cada consumidor.

O mercado já cuida desse assunto com alta prioridade e qualquer um pode ver. Basta ligar a tevê para perceber a quantidade de produtos e serviços ligados à forma e a beleza existentes. O marketing, por sua vez, em todas as suas vertentes o tempo todo apresenta as pessoas de um modo que vai se impondo no imaginário e desejo dos consumidores. Nos filmes do cinema, nos canais de televisão, nas novelas etc são apresentados atrizes e atores magros e “sarados” com formas desenhadas, que depois os consumidores tentam “copiar” adquirindo os produtos e serviços oferecidos.

Recentemente, surgiu uma polêmica na Argentina, porque algumas discotecas faziam sorteio de operação de implante de seio para as mulheres. O que gerou um bom sucesso de público. A pergunta que se coloca para reflexão é essa: qual o limite ético para que se possa fazer transformações nos corpos humanos para fins meramente estéticos?

Nos últimos dias, os canais de tevê e vários sites na internet têm apresentado mulheres com seios exagerados. Há, ao que parece, uma “campeã” brasileira, que detém seu recorde com nada mais nada menos que 5,5, litros de silicone em cada seio.(A recordista mundial, segundo consta é uma americana que têm 7 litros em cada mama!). Olhando para essa mulher brasileira, que, quando se levanta, é obrigada a ficar segurando os litros de silicone, sente-se pena, porque, sua decisão está fora do padrão psíquico das demais pessoas. Até poder-se-ia garantir a ela um eventual direito de fazer o que fez (certamente questionável, como penso).

Todavia, o que mais chama a atenção é o procedimento médico subjacente nessa questão: aqueles excessivos seios de silicone foram colocados por um cirurgião médico, acompanhado de sua equipe com outro médico anestesista e seus assistentes. Pergunto: não há limite ético para o médico fazer tal operação? Não deve ele se negar a fazê-la e aconselhar a interessada que procure ajuda psicológica? A mim parece que os órgãos de medicina responsáveis devem cuidar desse tema, estabelecendo esse limites.

Não é só porque a ciência moderna e a incrível tecnologia que a acompanha seja capaz de construir corpos humanos com fantásticas próteses, enxertos e reformas, que se pode fazê-lo. Do ponto de vista ético, a possibilidade real de uma execução não significa necessariamente o direito de exercê-la. Não falo apenas do problema dessa mulher de seios enormes. Refiro a questão em sentido mais amplo, porque se for deixado que o mercado tome a decisão, com o alto faturamento que o segmento gera, poderemos assistir a muitas aberrações.
Por Rizzatto Nunes

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