10 novembro 2008

O mercado de consumo precisa de mais controle.

As associações de defesa do consumidor, de forma independente, têm feito seguidamente testes para aferir a qualidade dos produtos oferecidos no mercado, e o resultado é alarmante. São molhos de tomate contendo pelos de roedores, fragmentos de insetos e larvas; queijos com fungos, bactérias e coliformes fecais. Ou, então, são produtos que anunciam nutrientes e oferecem qualidades inexistentes, como, por exemplo, vários cereais matinais, consumidos pelas crianças e que contém excesso de sódio e falta de fibra[1]. O espantoso é que nesses casos várias das empresas envolvidas são grandes indústrias de renome nacional e internacional.

Vou repetir algo que já disse nesta coluna: está faltando Estado no mercado de consumo. Aliás, a atual crise financeira internacional, iniciada no mercado americano, deixou patente que essa ausência é perigosíssima.

Dever do Estado

Não só por determinação constitucional e legal o Estado é o responsável pela fiscalização de tudo o quanto ocorre no mercado de consumo, mas também por questão de ordem política e social. Quando me refiro a Estado quero dizer todos os entes da Federação nas suas esferas de competência: A União, os Estados-membros e os Municípios.

Uma parte dos produtos e serviços oferecidos no mercado tem uma certa autonomia em relação à fiscalização do Estado, tais como a indústria e comércio de vestuário, a produção e distribuição de livros, jornais e revistas, a oferta de curso livres etc. No entanto, um amplo setor da economia está não só atrelado às determinações do Estado diretamente ou por intermédio de suas agências e autarquias, como são explorações autorizadas a funcionar apenas pelo Estado ou mediante concessão. Não é porque o Estado privatizou certos setores que não tem mais responsabilidade sobre eles. E, por exemplo, todo o setor de cadeia alimentar deve ser fiscalizado pelos entes estatais.



Ganância

Se há alguma coisa boa na atual crise financeira, ela talvez seja a demonstração de que não se pode mais acreditar que o mercado de consumo resolve suas questões por conta própria, como se houve uma espécie de “lei” de mercado que fosse capaz de corrigir os excessos e as faltas. A verdadeira lei de mercado é aquela que aparece estampada nos jornais de negócios e nas manchetes dos grandes jornais e revistas: o empresário moderno e as grandes corporações que ele dirige quer, cada vez mais e sempre, faturar mais alto, nem que para isso ele tenha que eliminar postos de trabalho, baixar salários, eliminar benefícios e piorar a qualidade de seus produtos e serviços. Para lucrar mais, o empresário acaba correndo mais risco de oferecer piores produtos e serviços ao consumidor.

E, com o fenômeno da chamada globalização, o quadro piorou. Por conta da abertura do mercado de vários países, do incremento da tecnologia e das comunicações, da melhora das condições de distribuição etc, as grandes corporações acabaram por mudar seus pólos de produção para locais que ainda não tinham tradição de produção de qualidade. Essas empresas foram buscar maiores lucros, pagando menores salários e produzindo bens de consumo de pior qualidade.

As conhecidas marcas mundiais passaram a atuar cada vez mais no marketing de manutenção da grife e, em alguns casos, tais marcas foram produzidas já no ambiente globalizado iludindo os consumidores que acabam adquirindo a marca em detrimento do próprio produto. Ou, dizendo em outros termos: o fato do produto ou serviço ser oferecido por marca conhecida mundialmente não garante sua qualidade.

Pode até ser que outrora o produto feito na matriz em que foi criado fosse bom, mas não se pode mais garantir que continue sendo, na medida em que são produzidos em locais que não tem mão de obra qualificada e ambiente de trabalho solidificado na experiência.

Importados

Lembro o caso dos brinquedos que acumularam nos últimos três anos dezenas de recalls das grandes indústrias para a retirada de centenas de produtos de baixa qualidade e que colocaram em risco à saúde e à vida das crianças. São brinquedos feitos em países que não tem como preocupação a qualidade e, na hipótese o que é mais importante, a segurança de seu público alvo, as crianças. Anoto também o recente caso dos alimentos infantis chineses, cuja comercialização foi proibida em boa hora pela Anvisa, porque estavam contaminados por melamina.

Fiscalização

Ora, como a regra mercadológica é faturar ainda que piore a qualidade e segurança dos produtos e serviços, exigi-se maior participação do Estado diretamente na economia. É um grave erro o Estado sair do mercado, deixando que este resolva os próprios problemas criados. Muitas vezes, é apenas o Estado que pode resolvê-los.

Cito o caso do setor dos serviços. A Presidência da República recentemente regulamentou os SACs-Serviço de Atendimento ao Consumidor via atendimento telefônico, o que era necessário porque esse tipo de serviço era – como ainda é – muito ruim. Sem a intervenção do Estado, alguém acredita que o serviço iria melhorar? (Espero que melhore, porque o Decreto só entra em vigor em 1º de dezembro próximo).

Evidentemente, há necessidade de intervenção e fiscalização em vários outros setores: no de brinquedos, claro, no de alimentos, no de medicamentos etc.


O mercado livre

Enfim, a cada dia que passa, fica mais claro que a chamada era do mercado de consumo livre, exige sim uma ação direta do Estado, em todas as suas áreas de competência e atuação, para garantir o mínimo de qualidade e segurança dos produtos e serviços oferecidos. Lembro que no Brasil há leis claras sobre o assunto, dentre as quais destaco a Constituição Federal (arts. 170 e seguintes) e o Código de Defesa do Consumidor e, a partir delas, deve o Estado brasileiro atuar diretamente ou exercendo fiscalização eficaz.


[1] Quem quiser mais informações sobre esses testes pode consultar o site da Associação Pro Teste: www.proteste.org.br.
Por Rizzatto Nunes

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