Tenho dito aqui nesta coluna que o mercado de consumo precisa ser mais diretamente controlado pelo Estado, posto que se deixado à própria sorte os abusos contra os consumidores serão sempre em grande quantidade. E isso, apesar de no Brasil nós termos uma excelente legislação, como -- e logicamente – em primeiro lugar o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a lei que regula os planos e seguros-saúde (Lei 9.656/98), a Lei de economia popular etc. Aliás, a crise financeira internacional de 2008 demonstrou como é perigoso para toda a sociedade (mundial!) deixar que os próprios operadores criem as regras de trabalho. O capitalismo contemporâneo exige vigilância sobre os procedimentos e observância estrita do cumprimento das normas já existentes.
Veja-se o exemplo do Decreto Presidencial nº 6.523, que entrou em vigor em 1º de dezembro próximo passado. Aprovado em 31 de julho, foi oferecido quatro meses de prazo para que as grandes empresas atingidas se preparassem para cumprir suas determinações. Essas empresas gastam milhões de reais em propaganda na televisão e na tecnologia de seus negócios e, no entanto, muitas delas simplesmente desprezaram o Decreto. Após quinze dias de vigência, foram autuadas 120 empresas em todo o Brasil, milionárias corporações do setor bancário, financeiro, de plano de saúde, de cartão de crédito, de telefonia móvel e fixa, de energia elétrica, de seguros, de tv por assinatura e de transporte aéreo e terrestre. É incrível, mas o que essas empresas precisavam ter feito era apenas colocar em prática procedimentos de qualidade no atendimento e de respeito às leis em vigor no país desde 11 de março de 1991(quando entrou em vigor o CDC).
Pelo jeito as punições impostas pelos Procons não foram ou não são suficientes para obrigar o empresário a se modernizar. E “modernizar” nesta frase é apenas cumprir a lei!
Houve até empresa que se negou a cumprir o Decreto, alegando que seus serviços não funcionavam nas 24 horas do dia e, por isso, não podia manter atendimento telefônico 24 horas no ar. Seria a mesma coisa que dizer que os SACs dos bancos só funcionariam no horário bancário. Mas, pergunto: será que uma empresa de porte não consegue colocar uma pessoa no atendimento telefônico por um dia inteiro? Muito bem, esquisitices à parte, a verdade é que o empresariado do atual capitalismo ainda tem muito o que aprender em matéria de respeito à lei e ao consumidor.
O problema do consumidor violado é a falta de alternativa, a falta de concorrência que permita que ele troque de fornecedor. Porque, ou não há outro fornecedor, como é o caso dos monopólios (serviços de energia elétrica, água etc) ou todo o setor aparentemente competitivo abusa abertamente e de forma similar e daí não adianta trocar (setor bancário e financeiro, de planos de saúde etc). A portabilidade do serviço de telefonia bem vinda no ano de 2008 é um avanço que pode gerar mais respeito ao consumidor. Mas, falta muito.
Os consumidores certamente não estão satisfeitos. Não deve existir ninguém neste país que não tenha sido ludibriado, que não tenha perdido dinheiro com produtos e serviços viciados e defeituosos. São pessoas ávidas por serem bem atendidas e por receberem produtos e serviços de qualidade e que, mesmo se apresentarem defeitos, que os mesmos sejam corrigidos rapidamente. É um enorme mercado a ser explorado. Está mais do que na hora de se aprender a obter lucro tratando bem e respeitando o consumidor (ressalvo, evidentemente, o caso de alguns empresários que já fazem isso).
De todo modo, repito que não adianta acreditar que o mercado de consumo resolve suas questões por conta própria, como se houvesse uma espécie de “lei” de mercado que fosse capaz de corrigir os excessos e as faltas. A verdadeira lei de mercado é aquela que aparece estampada nos jornais de negócios e nas manchetes dos grandes jornais e revistas: o empresário moderno e as grandes corporações que ele dirige quer, cada vez mais e sempre, faturar mais alto, nem que para isso ele tenha que eliminar postos de trabalho, baixar salários, eliminar benefícios e piorar a qualidade de seus produtos e serviços.
E, com o fenômeno da chamada globalização, o quadro piorou. Por conta da abertura do mercado de vários países, do incremento da tecnologia e das comunicações, da melhora das condições de distribuição etc, as grandes corporações acabaram por mudar seus pólos de produção para locais que ainda não tinham tradição de produção de qualidade. Essas empresas foram buscar maiores lucros, pagando menores salários e produzindo bens de consumo de pior qualidade. Para lucrar mais, o empresário acaba correndo maior risco de oferecer piores produtos e serviços ao consumidor.
Esse processo, que sempre existiu, tem crescido vigorosamente apesar da edição de leis reguladoras. E pior: com as fórmulas ilusórias e sedutoras do mau marketing, que têm dentre suas atividades essa de exatamente planejar como enganar seus clientes, estes muitas vezes nem descobrem que foram lesados. Veja essa: na semana antes do Natal duas amigas minhas voltaram indignadas do show que assistiram no estádio do Morumbi. Elas queriam o dinheiro do ingresso de volta, porque descobriram que em boa parte do show a cantora não cantava: usava play-back. Ela dublava a própria voz! Não sei se é verdade porque não fui ao show, mas se for, estava fora da oferta que era para assistir uma cantora...
Eis, pois, uma amostra do desafio que o consumidor enfrentará: vencer a ganância dos empresários que não respeitam seus clientes. Qual seria a saída? O Ministério da Justiça e os Procons estão fazendo sua parte, mas a legislação permite a aplicação de multas cujos valores não causam transtornos à essas grandes corporações. Tudo indica que as vantagens financeiras com o abuso compensem largamente a ação abusiva.
Uma outra alternativa seria um incremento do número de ações coletivas. Elas são um dos principais instrumentos de proteção ao consumidor. Não se deve esquecer que o CDC, em larga medida, foi elaborado para proteger mais os direitos coletivos e difusos que os individuais. Equivocadamente, as ações individuais têm se multiplicado (o que se compreende pela tradição privatista do direito brasileiro), mas isso precisa mudar. É a ação coletiva que pode por fim aos abusos praticados pelas grandes corporações. E, se o judiciário, tomando consciência do tamanho do problema, condená-las a pagar vultosas indenizações punitivas, teremos, certamente, nos próximos anos, um direito do consumidor mais sólido, respeitado e um mercado de consumo mais forte.
Veja-se o exemplo do Decreto Presidencial nº 6.523, que entrou em vigor em 1º de dezembro próximo passado. Aprovado em 31 de julho, foi oferecido quatro meses de prazo para que as grandes empresas atingidas se preparassem para cumprir suas determinações. Essas empresas gastam milhões de reais em propaganda na televisão e na tecnologia de seus negócios e, no entanto, muitas delas simplesmente desprezaram o Decreto. Após quinze dias de vigência, foram autuadas 120 empresas em todo o Brasil, milionárias corporações do setor bancário, financeiro, de plano de saúde, de cartão de crédito, de telefonia móvel e fixa, de energia elétrica, de seguros, de tv por assinatura e de transporte aéreo e terrestre. É incrível, mas o que essas empresas precisavam ter feito era apenas colocar em prática procedimentos de qualidade no atendimento e de respeito às leis em vigor no país desde 11 de março de 1991(quando entrou em vigor o CDC).
Pelo jeito as punições impostas pelos Procons não foram ou não são suficientes para obrigar o empresário a se modernizar. E “modernizar” nesta frase é apenas cumprir a lei!
Houve até empresa que se negou a cumprir o Decreto, alegando que seus serviços não funcionavam nas 24 horas do dia e, por isso, não podia manter atendimento telefônico 24 horas no ar. Seria a mesma coisa que dizer que os SACs dos bancos só funcionariam no horário bancário. Mas, pergunto: será que uma empresa de porte não consegue colocar uma pessoa no atendimento telefônico por um dia inteiro? Muito bem, esquisitices à parte, a verdade é que o empresariado do atual capitalismo ainda tem muito o que aprender em matéria de respeito à lei e ao consumidor.
O problema do consumidor violado é a falta de alternativa, a falta de concorrência que permita que ele troque de fornecedor. Porque, ou não há outro fornecedor, como é o caso dos monopólios (serviços de energia elétrica, água etc) ou todo o setor aparentemente competitivo abusa abertamente e de forma similar e daí não adianta trocar (setor bancário e financeiro, de planos de saúde etc). A portabilidade do serviço de telefonia bem vinda no ano de 2008 é um avanço que pode gerar mais respeito ao consumidor. Mas, falta muito.
Os consumidores certamente não estão satisfeitos. Não deve existir ninguém neste país que não tenha sido ludibriado, que não tenha perdido dinheiro com produtos e serviços viciados e defeituosos. São pessoas ávidas por serem bem atendidas e por receberem produtos e serviços de qualidade e que, mesmo se apresentarem defeitos, que os mesmos sejam corrigidos rapidamente. É um enorme mercado a ser explorado. Está mais do que na hora de se aprender a obter lucro tratando bem e respeitando o consumidor (ressalvo, evidentemente, o caso de alguns empresários que já fazem isso).
De todo modo, repito que não adianta acreditar que o mercado de consumo resolve suas questões por conta própria, como se houvesse uma espécie de “lei” de mercado que fosse capaz de corrigir os excessos e as faltas. A verdadeira lei de mercado é aquela que aparece estampada nos jornais de negócios e nas manchetes dos grandes jornais e revistas: o empresário moderno e as grandes corporações que ele dirige quer, cada vez mais e sempre, faturar mais alto, nem que para isso ele tenha que eliminar postos de trabalho, baixar salários, eliminar benefícios e piorar a qualidade de seus produtos e serviços.
E, com o fenômeno da chamada globalização, o quadro piorou. Por conta da abertura do mercado de vários países, do incremento da tecnologia e das comunicações, da melhora das condições de distribuição etc, as grandes corporações acabaram por mudar seus pólos de produção para locais que ainda não tinham tradição de produção de qualidade. Essas empresas foram buscar maiores lucros, pagando menores salários e produzindo bens de consumo de pior qualidade. Para lucrar mais, o empresário acaba correndo maior risco de oferecer piores produtos e serviços ao consumidor.
Esse processo, que sempre existiu, tem crescido vigorosamente apesar da edição de leis reguladoras. E pior: com as fórmulas ilusórias e sedutoras do mau marketing, que têm dentre suas atividades essa de exatamente planejar como enganar seus clientes, estes muitas vezes nem descobrem que foram lesados. Veja essa: na semana antes do Natal duas amigas minhas voltaram indignadas do show que assistiram no estádio do Morumbi. Elas queriam o dinheiro do ingresso de volta, porque descobriram que em boa parte do show a cantora não cantava: usava play-back. Ela dublava a própria voz! Não sei se é verdade porque não fui ao show, mas se for, estava fora da oferta que era para assistir uma cantora...
Eis, pois, uma amostra do desafio que o consumidor enfrentará: vencer a ganância dos empresários que não respeitam seus clientes. Qual seria a saída? O Ministério da Justiça e os Procons estão fazendo sua parte, mas a legislação permite a aplicação de multas cujos valores não causam transtornos à essas grandes corporações. Tudo indica que as vantagens financeiras com o abuso compensem largamente a ação abusiva.
Uma outra alternativa seria um incremento do número de ações coletivas. Elas são um dos principais instrumentos de proteção ao consumidor. Não se deve esquecer que o CDC, em larga medida, foi elaborado para proteger mais os direitos coletivos e difusos que os individuais. Equivocadamente, as ações individuais têm se multiplicado (o que se compreende pela tradição privatista do direito brasileiro), mas isso precisa mudar. É a ação coletiva que pode por fim aos abusos praticados pelas grandes corporações. E, se o judiciário, tomando consciência do tamanho do problema, condená-las a pagar vultosas indenizações punitivas, teremos, certamente, nos próximos anos, um direito do consumidor mais sólido, respeitado e um mercado de consumo mais forte.
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