25 maio 2009

Até quando as pessoas de bem serão abertamente violadas neste país?

Os irmãos João e Maria viviam com sua mãe e estavam desempregados, com dificuldade de pagar o aluguel da casa em que moravam. Mas, de repente tudo mudou. Ele, professor de educação física, conseguiu emprego numa academia como personal trainer e ela numa loja. Foi bem no mês anterior ao dia das mães. Agradecendo aos céus, compraram um bonito presente para ela e no domingo do dia das mães levaram-na para almoçar fora, o que não conseguiam fazer já há alguns anos.

Comeram num bom restaurante italiano. O prato foi talharini ao pesto e como bebidas água e suco. Quando voltavam para casa foram parados numa blitz policial, como se bandidos fossem. João que dirigia o veículo foi retirado do carro e seguiu-se o seguinte diálogo entre ele e o policial que o abordou.

-- O senhor tem de fazer o teste do bafômetro.
-- Porque? -- perguntou ele, surpreso.
-- Porque sim --
-- Mas eu estava almoçando com minha mãe. Está vendo ali. Aquela é minha mãe...
-- Venha, o senhor tem de fazer o teste.
-- Acho que o senhor não está entendendo. Eu não bebi nada. Só suco de laranja. Aliás, eu não tomo bebida alcoólica. Sou professor de educação física e atleta. Eu não bebo.
-- Isso não interessa.
-- Como não interessa? Olhe para mim. Parece que bebi? Vai. Veja. Aposto que o senhor não consegue ficar tanto tempo em pé numa perna só como eu. Quer apostar?
-- Pare. O senhor está desacatando autoridade.
-- Como? Que absurdo. É o senhor que quer que eu assopre esse negócio, mas eu nem bebi.
-- Se o senhor não fizer o teste vai ser preso
-- Preso? Preso porque? Qual crime eu estou cometendo?


Muito bem. Como João era um homem de princípios não cedeu e acabou preso.

Vendo a prisão do filho, sua mãe desmaiou e teve de ser levada às pressas para o hospital. Maria colocou a mãe no banco de trás. Ela balbuciava alguma coisa. Maria dirigiu às pressas para um Pronto Socorro. Quando parou numa esquina, mais ou menos três quarteirões à frente da batida policial, dois jovens de aproximaram apontando uma arma e exigindo que ela entregasse a bolsa e a chave do carro. Ela, então, em prantos mostrou a mãe passando mal no banco de trás. Os bandidos viram a cena e resolveram levar apenas o dinheiro que Maria portava.

Pergunto: onde estava a polícia nessa hora?

Você já sabe: parando cidadãos de bem que, depois de uma semana de trabalho para pagar impostos, saíram para almoçar com suas mães e talvez tenham bebido uma cervejinha ou não.

A mãe acabou sendo medicada e, após pagar fiança, o irmão foi solto.

Na semana seguinte, o prédio em que viviam foi invadido por dez homens bem armados que fizeram um “arrastão” no prédio e lá ficaram por duas horas roubando tudo dos apartamentos.

Pergunto a você: onde estava a polícia?

Provavelmente, obrigando idosos com setenta anos o colocarem suas bocas em algum aparelho medidor. Idosos, que depois de cumprirem suas obrigações como pessoas de bem anos à fio neste país, que atravessou uma terrível ditadura e que finalmente havia chegado à democracia, após terem saído para jantar com amigos como sempre fizerem por muitos anos sem causar nenhum dano a quem quer que seja, eram violados sem qualquer suspeita ou dado objetivo, como se bandidos fossem.

Tudo isso seria irônico se na fosse trágico e realmente possível de acontecer. Deixo a ironia para os bandidos que, no dia das mães, ficariam com dó daquela mãe doente no banco de trás do carro. É sempre bom lembrar que até bandido tem mãe. Mas, o respeito a elas não é oferecido por todos, como se pôde constatar no último dia das mães na cidade de São Paulo.

Mais uma vez, sou obrigado a voltar ao assunto da Lei Seca, que, como os dados objetivos e estatísticos mostram servem apenas para violar e constranger pessoas de bem. Os bêbados, ora os bêbados, esses continuam a fazer estragos em todos os cantos da cidade e do país.

Falemos sério. No último feriado de Páscoa, nas estradas federais foram registrados 1.873 acidente e contados 1.144 feridos. Os acidentes mataram 85 pessoas, 13% a mais que o registrado no ano passado, quando morreram 75, mas ainda não estava em vigor a Lei Seca.

É de se perguntar novamente: onde estava a polícia?

Resposta: fazendo blitz. O polícia parou 30 mil veículos. Vejam o tamanho da operação. Quantos policiais que poderiam estar cuidando das estradas para delas tirar aqueles que realmente põe em risco os demais. Nesses 30 mil testes prenderam 370 pessoas. O percentual de aproveitamento foi, portanto, de apenas 1,23%. Pífio. E pior, muito pior. Retirou das estradas as pessoas erradas, pois, como os números mostraram, houve acréscimo de mortes de um ano para o outro, sendo que no anterior não havia Lei Seca.

Evidentemente, ninguém pode ser contra leis que punam motoristas infratores, bêbados ou não. O questão não é essa. Mas, sim a da aplicação dessa nova lei, que em si viola garantias constitucionais e ainda por cima está sendo mal aplicada. As violações e os abusos mostrei aqui nesta coluna em 07-07-2008. Vários juristas também já se pronunciaram nesse sentido. Cito por todos os Professores Damásio de Jesus e Luiz Flávio Gomes.

E apenas para lembrar alguns dos aspectos abusivos, cito Antonio Magalhães Gomes Filho "o direito à não incriminação constitui uma barreira intransponível ao direito à prova de acusação; sua denegação, sob qualquer disfarce, representará um indesejável retorno às formas mais abomináveis da repressão”

Este trecho do artigo citado, foi referido na excelente decisão do Desembargador Marcio Franklin Nogueira, cuidando da questão[1] e da qual transcrevo outros dois trechos:

“Ora, não se pode punir alguém, ainda que administrativamente, e nem tampouco conduzi-lo coativamente à repartição policial pelo simples fato de exercitar direito que lhe é assegurado pelo ordenamento jurídico pátrio. Qualquer lei, por melhor que seja, não pode afrontar aqueles direitos assegurados na Carta Constitucional”

“0 que se tem visto é a abordagem, por policiais, de motoristas sem que haja qualquer suspeita, qualquer indicio, de que estejam embriagados, sendo eles coagidos a fazer o teste de alcoolemia, através do’bafômetro’. Via de regra, essas abordagem são feitas nas proximidades de bares ou restaurantes”.

Infelizmente, o Estado não está cumprindo sua função de oferecer segurança pública à população. Na cidade de São Paulo, por exemplo, os assaltos à mão armada praticados contra motoristas nas esquinas, os seqüestros e os seqüestros-relâmpagos, os roubos de residências e o incrível número de assaltos feitos por bandos em prédios residenciais já se tornaram rotina.

E, nem no dias das mães, se pode andar pelas ruas sem ser indevidamente abordado!

Em plena e suposta democracia é triste ver a população brasileira sofrer calada diante dos desmandos praticados no país, no qual se inclui o abuso de autoridade e a falta de segurança pública. Com a agravante de que os policiais, que deviam cuidar da população, de socorrê-la, salvaguarda-la de perigos são estimulados a violá-la.

Pergunto: este país, que tem no art. 1º da Constituição Federal, a garantia de que estamos num Estado Democrático de Direito, ficará de ponta cabeça, com cidadãos de bem sendo violados, até quando?


[1] HC 801049.5/1, Tribunal de Justiça de São Paulo.

3 comentários:

Abrasel Bahia disse...

Caro Rizzato,

Muito obrigado! Mentes lúcidas e desejosas de efetivos resultados na melhoria de nossa sociedade são as que poderão nos livrar desta triste trajetória policialesca e hipócrita daqueles que legislam sob holofotes!

Sabrina Noureddine disse...

Prezado Prof. Rizzatto,
Concordo com esse sentimento, e o pior é que isto está ocorrendo em todas as esferas do Poder Executivo, é o que sinto ao atuar na área administrativa tributária, conforme o que escrevi no meu blog na semana passada, se tiver interesse nessa área também, será uma honra sua visita: http://sabrinanoureddine.blogspot.com
Abs.

Anônimo disse...

O texto estaria impecável se não fosse sua insistência em defender "o cidadão de bem" que bebe sua cervejinha. Busque pesquisas sobre o efeito de uma "cervejinha" no corpo humano e o quanto essa bebida pode comprometer os reflexos e observe seu cidadão passar de pessoa de bem para homicida. Temos responsabilidades, quem bebe não deve dirigir. O consumo de bebida alcóolica atúa de formas diferentes em cada pessoa. Um copo de cerveja pode não oferecer grandes mudanças para alguns, mas para outros, pode causar embriaguez. Esse tipo de bebida é lícita, mas ainda assim é droga. O seu cidadão de bem pode matar alguém, mas só nos damos conta disso quando perdemos um ente querido por conta de um cidadão de bem.
Eu apoio a Lei Seca, afinal não podemos permitir que mais um cidadão de bem se transforme num assassino. No mais, concordo com você.
Abraços.