Na semana passada entrou em vigor a Lei 11.785 que alterou uma regra do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Visando acabar com os abusos ainda existentes no país, depois de quase dezoito anos de vigência do CDC, o Congresso Nacional decidiu alterar o parágrafo 3º do seu art. 54. A redação anterior dizia: “Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”.
Com a modificação operada pela nova lei, a redação passou a ser a seguinte: “Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”.
Antes de prosseguir, anoto para deixar claro ao leitor , que esse nome dado ao contrato que envolve relação jurídica de consumo, “de adesão” é pura e simplesmente a constatação de que na sociedade capitalista em que vivemos, o fornecedor decide, sem a participação do consumidor, tudo o que pretende fazer: escolhe ou cria os produtos que quer fabricar ou o serviço que pretende oferecer, faz sua distribuição e comercialização, opera seu setor de marketing e publicidade para apresentar e oferecer o produto ou o serviço, e elabora o contrato que será firmado pelo consumidor que vier a adquirir o produto ou o serviço.
Tudo unilateralmente, isto é, tudo sem que o consumidor participe ou palpite. É risco e responsabilidade do fornecedor. Ao consumidor cabe apenas adquirir o produto ou o serviço e “aderir” ao contrato. Na verdade, para comprar qualquer produto ou serviço o consumidor é obrigado à aderir à oferta, pagando o preço anunciado e nas condições de pagamento exigidas. O contrato de adesão é um dos componentes da oferta e que existe na forma escrita quando desse modo exige a natureza da operação.
Assim, por exemplo, se se trata de um plano de saúde, deve haver contrato escrito. O mesmo ocorre quando se faz um empréstimo no banco ou se financia a casa própria, ou ainda quando se contrata um seguro ou a assinatura da tevê à cabo etc. Em todos os casos, o consumidor não discute as cláusulas contratuais nem pode exigir alterações substanciais no termo escrito. Ele apenas “adere” ao que já estava previamente preparado e ponto final. Aliás, não é um consumidor que adere; são todos. O contrato de adesão é elaborado pelo fornecedor para ter validade de igual forma para todos os seus clientes.
Do mesmo modo que uma montadora de automóveis reproduz um automóvel na série centenas, milhares de vezes ou que um produtor fabrica milhares de canetas iguais a partir de um modelo específico, um único contrato de adesão é elaborado pelo Departamento Jurídico do fornecedor e reproduzido centenas, milhares de vezes. Cada consumidor que adquire o produto ou o serviço adere ao modelo impresso, que é idêntico aos demais.
Muito bem. Na área jurídica costumamos dizer que nem sempre a boa intenção do legislador basta. Espero que não seja o caso desta vez. Digo isso, porque a redação anterior da referida norma do CDC já era clara no sentido de dizer que os caracteres impressos nos contratos tinham de ser ostensivos e legíveis. Apesar disso, ainda existiam como existem centenas de contratos redigidos em letras tão miúdas que só com lente e muito cuidado se pode ler.
O legislador andou bem ao fixar o corpo da fonte: tamanho 12. No entanto, penso que poderia ter ido um pouco mais. Deveria ter dito: “corpo doze nas fontes Times New Roman, Arial ou Courier New”, que são as mais comuns. Explico.
Infelizmente, uma característica marcante da sociedade capitalista contemporânea é a desonestidade, a má fé com que os negócios são geridos. E, nessa questão das letras miúdas dos contratos, pode acontecer da norma ser respeitada, mas o texto continuar ilegível. É bem capaz de algum fornecedor imprimir um contrato com a fonte Browellia New, Blackadder ITC, Chiller, Brush Script MT, Cordia New ou alguma outra. Elas não são usadas com muita freqüência. Todavia, se forem, trarão problemas com a clareza, pois o tamanho 12 dessas fontes ainda gera letras muito pequenas, de difícil leitura.
De todo modo, quero enfatizar que para ser declarada nula uma cláusula contratual escrita com letras miúdas bastava a redação anterior. Claro que, agora, é possível levar em consideração a intenção do legislador que, certamente, quando escreveu corpo tamanho 12 estava se referindo às fontes mais utilizadas como aquelas que acima indiquei: Times New Roman, Arial ou Corier New. Esses devem ser os modelos adotados para fins de avaliação das letras impressas nos contratos.
Por fim, lembro que os Tribunais já vem anulando cláusulas contratuais e até contratos inteiros com base no texto miúdo impresso. Cito como exemplo esses dois casos julgados pelo extinto 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, dos quais transcrevo alguns trechos:
“Verifica-se que não só os cálculos de tal planilha são ininteligíveis, como a cobrança de multa de 10% não foi prevista no contrato (...) No caso, o contrato de fls. 12/13 não contempla nem juros de mora, nem multa e, aliás, é todo nulo (artigo 51, XV, do CDC), porque firmado em letras minúsculas, o que viola a regra do artigo 54, § 3º, do CDC”. (Apelação 856.141-1 da 4ª. Câmara).
“Antes de ingressar no exame específico do caso é necessário consignar os aspectos jurídicos relevantes que envolvem os chamados ‘contratos de abertura de conta corrente’.
Realce-se, de início, que fisicamente eles resumem-se a cartões ou folhas diminutas, nos quais o correntista apõe sua assinatura. Aquilo que se pode intitular de cláusulas contratuais são, normalmente, impressos em tais documentos em letras bem miúdas, sem realce ou qualquer tipo de destaque. (...)
Mas, voltando à questão da validade dos contratos de adesão, ressalte-se a surpreendente regularidade da ilegalidade dos contratos de abertura de conta corrente. Basta uma leitura do § 3º do artigo 54 do CDC na relação com esses contratos de abertura de conta para perceber de sua invalidade (...)”
Os tais contratos de abertura de conta corrente são normalmente redigidos em letras tão miúdas, que é muito difícil lê-los. Veja-se como exemplo o destes autos às fls. 09 verso: o tipo é de menos de um milímetro! Logo, não são claros, nem legíveis, e muito menos ostensivos.(...)
Para o contrato de adesão ter validade, portanto, é necessário que as cláusulas limitadoras tenham destaque, vale dizer, que saltem aos olhos, em tipo maior que o normal, em negrito, etc. (sem esquecer-se da obrigatoriedade imposta pelo § 3º de ostensividade e uso de linguagem legível).
No caso em tela, despicienda maior argumentação. Basta ver-se o documento inserto às fls. 9 e 9vº para atestar sua invalidade” (Apelação 763.218-6 da 4ª. Câmara).
Por Rizzatto Nunes
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