29 setembro 2008

O fim das letras miúdas nos contratos. É o que se espera...

Na semana passada entrou em vigor a Lei 11.785 que alterou uma regra do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Visando acabar com os abusos ainda existentes no país, depois de quase dezoito anos de vigência do CDC, o Congresso Nacional decidiu alterar o parágrafo 3º do seu art. 54. A redação anterior dizia: “Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”.
Com a modificação operada pela nova lei, a redação passou a ser a seguinte: “Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor”.
Antes de prosseguir, anoto para deixar claro ao leitor , que esse nome dado ao contrato que envolve relação jurídica de consumo, “de adesão” é pura e simplesmente a constatação de que na sociedade capitalista em que vivemos, o fornecedor decide, sem a participação do consumidor, tudo o que pretende fazer: escolhe ou cria os produtos que quer fabricar ou o serviço que pretende oferecer, faz sua distribuição e comercialização, opera seu setor de marketing e publicidade para apresentar e oferecer o produto ou o serviço, e elabora o contrato que será firmado pelo consumidor que vier a adquirir o produto ou o serviço.
Tudo unilateralmente, isto é, tudo sem que o consumidor participe ou palpite. É risco e responsabilidade do fornecedor. Ao consumidor cabe apenas adquirir o produto ou o serviço e “aderir” ao contrato. Na verdade, para comprar qualquer produto ou serviço o consumidor é obrigado à aderir à oferta, pagando o preço anunciado e nas condições de pagamento exigidas. O contrato de adesão é um dos componentes da oferta e que existe na forma escrita quando desse modo exige a natureza da operação.
Assim, por exemplo, se se trata de um plano de saúde, deve haver contrato escrito. O mesmo ocorre quando se faz um empréstimo no banco ou se financia a casa própria, ou ainda quando se contrata um seguro ou a assinatura da tevê à cabo etc. Em todos os casos, o consumidor não discute as cláusulas contratuais nem pode exigir alterações substanciais no termo escrito. Ele apenas “adere” ao que já estava previamente preparado e ponto final. Aliás, não é um consumidor que adere; são todos. O contrato de adesão é elaborado pelo fornecedor para ter validade de igual forma para todos os seus clientes.
Do mesmo modo que uma montadora de automóveis reproduz um automóvel na série centenas, milhares de vezes ou que um produtor fabrica milhares de canetas iguais a partir de um modelo específico, um único contrato de adesão é elaborado pelo Departamento Jurídico do fornecedor e reproduzido centenas, milhares de vezes. Cada consumidor que adquire o produto ou o serviço adere ao modelo impresso, que é idêntico aos demais.
Muito bem. Na área jurídica costumamos dizer que nem sempre a boa intenção do legislador basta. Espero que não seja o caso desta vez. Digo isso, porque a redação anterior da referida norma do CDC já era clara no sentido de dizer que os caracteres impressos nos contratos tinham de ser ostensivos e legíveis. Apesar disso, ainda existiam como existem centenas de contratos redigidos em letras tão miúdas que só com lente e muito cuidado se pode ler.
O legislador andou bem ao fixar o corpo da fonte: tamanho 12. No entanto, penso que poderia ter ido um pouco mais. Deveria ter dito: “corpo doze nas fontes Times New Roman, Arial ou Courier New”, que são as mais comuns. Explico.
Infelizmente, uma característica marcante da sociedade capitalista contemporânea é a desonestidade, a má fé com que os negócios são geridos. E, nessa questão das letras miúdas dos contratos, pode acontecer da norma ser respeitada, mas o texto continuar ilegível. É bem capaz de algum fornecedor imprimir um contrato com a fonte Browellia New, Blackadder ITC, Chiller, Brush Script MT, Cordia New ou alguma outra. Elas não são usadas com muita freqüência. Todavia, se forem, trarão problemas com a clareza, pois o tamanho 12 dessas fontes ainda gera letras muito pequenas, de difícil leitura.
De todo modo, quero enfatizar que para ser declarada nula uma cláusula contratual escrita com letras miúdas bastava a redação anterior. Claro que, agora, é possível levar em consideração a intenção do legislador que, certamente, quando escreveu corpo tamanho 12 estava se referindo às fontes mais utilizadas como aquelas que acima indiquei: Times New Roman, Arial ou Corier New. Esses devem ser os modelos adotados para fins de avaliação das letras impressas nos contratos.
Por fim, lembro que os Tribunais já vem anulando cláusulas contratuais e até contratos inteiros com base no texto miúdo impresso. Cito como exemplo esses dois casos julgados pelo extinto 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, dos quais transcrevo alguns trechos:
“Verifica-se que não só os cálculos de tal planilha são ininteligíveis, como a cobrança de multa de 10% não foi prevista no contrato (...) No caso, o contrato de fls. 12/13 não contempla nem juros de mora, nem multa e, aliás, é todo nulo (artigo 51, XV, do CDC), porque firmado em letras minúsculas, o que viola a regra do artigo 54, § 3º, do CDC”. (Apelação 856.141-1 da 4ª. Câmara).


“Antes de ingressar no exame específico do caso é necessário consignar os aspectos jurídicos relevantes que envolvem os chamados ‘contratos de abertura de conta corrente’.
Realce-se, de início, que fisicamente eles resumem-se a cartões ou folhas diminutas, nos quais o correntista apõe sua assinatura. Aquilo que se pode intitular de cláusulas contratuais são, normalmente, impressos em tais documentos em letras bem miúdas, sem realce ou qualquer tipo de destaque. (...)
Mas, voltando à questão da validade dos contratos de adesão, ressalte-se a surpreendente regularidade da ilegalidade dos contratos de abertura de conta corrente. Basta uma leitura do § 3º do artigo 54 do CDC na relação com esses contratos de abertura de conta para perceber de sua invalidade (...)”
Os tais contratos de abertura de conta corrente são normalmente redigidos em letras tão miúdas, que é muito difícil lê-los. Veja-se como exemplo o destes autos às fls. 09 verso: o tipo é de menos de um milímetro! Logo, não são claros, nem legíveis, e muito menos ostensivos.(...)
Para o contrato de adesão ter validade, portanto, é necessário que as cláusulas limitadoras tenham destaque, vale dizer, que saltem aos olhos, em tipo maior que o normal, em negrito, etc. (sem esquecer-se da obrigatoriedade imposta pelo § 3º de ostensividade e uso de linguagem legível).
No caso em tela, despicienda maior argumentação. Basta ver-se o documento inserto às fls. 9 e 9vº para atestar sua invalidade” (Apelação 763.218-6 da 4ª. Câmara).

Por Rizzatto Nunes

22 setembro 2008

Você está com o nome “sujo” na praça? Foi protestado? Negativado? Passou cheque sem fundo? Saiba como limpar seu nome.

O sistema capitalista criou um modo de vigilância, que com o incremento da tecnologia tem a velocidade da luz. Qualquer pessoa que deixe de pagar uma pequena quantia a algum fornecedor, ainda que por mero esquecimento ou equívoco, fica abertamente marcada, pois seu nome é lançado nos chamados serviços de proteção ao crédito. Fica como o nome “sujo na praça”, como vulgarmente se diz. Ter o nome num desses serviços é o equivalente a experimentar uma espécie de “morte civil”: a pessoa fica impedida de comprar à prazo, de obter empréstimo, de abrir conta corrente e, atualmente, a lista negativa tem sido usada como fonte até para a contratação de empregados.
Aquilo que nasceu para proteger efetivamente o crédito concedido, virou forma pública de expiação. Na origem, de fato, esses cadastros foram organizados para proteger o comércio e o sistema financeiro, evitando vendas a prazo e concessão de empréstimos para clientes inadimplentes. O que se observa agora é que esse tipo de serviço foi transformado em forma direta de cobrança. Não só a ameaça de negativação como a efetiva anotação funciona como uma forte arma contra o consumidor. Ele sabe que, se cair na lista negra ficará limitado como consumidor.
Trata-se de um modelo de controle capitalista objetivo mas cruel, que não leva em consideração a história do consumidor e seu comportamento, como se o mero atraso numa conta de energia elétrica ou de telefonia, de uma fatura da tevê a cabo ou do cartão de crédito o transformasse num autêntico larápio. O consumidor pode passar cinco, dez, quinze anos pagando suas contas em dia, mas se, por um motivo qualquer não pagar uma única conta por um curto período de tempo será marcado como gado nesse sistema de “ferro quente” da negativação. Seria irônico se não fosse trágico. Por exemplo, um cliente tem sempre no banco seu aliado no que diz respeito ao sigilo de suas contas. Realmente, o banco não conta pra ninguém. Mas, basta atrasar uma prestação de empréstimo que o sigilo desaparece: a negativação faz o cliente conhecido de todos como mal pagador.
É uma pena que não haja um cadastro negativo de fornecedores, para que o consumidor possa saber quais são os bancos que fazem cobranças abusivas, quais as indústrias que vendem produtos impróprios, quais empresas de telefonia, energia elétrica, tevê a cabo violam os direitos dos consumidores etc. É um esquema desigual: contra o consumidor inadimplente a exposição; contra o fornecedor inadimplente a ocultação. É verdade que os Procons organizam cadastros de fornecedores por reclamações feitas, atendidas ou não, mas isso é ainda insuficiente para dar ampla garantia ao consumidor, que tem o direito de fazer boas compras e seguras.

Muito bem. O fato é que ser negativado faz parte inclusive do regramento legal, pois os chamados serviços de proteção ao crédito foram transformados em entidades de caráter público, por disposição do Código de Defesa do Consumidor (CDC). A lei, assim, passou a regular as anotações feitas nesses cadastros, quer seja advinda de relação jurídica de consumo, como a simples compra e venda de um sapato numa loja, quer nasça de uma relação privada, como a decorrente de transação feita entre comerciantes.
As anotações, pois, de um lado, tornaram-se legítimas por força de lei, mas de outro devem seguir à risca os limites e requisitos impostos. Se você está negativado, veja abaixo como funciona cada tipo de anotação e saiba como limpar seu nome.

Ø Cartório de Protestos
A pessoa também fica negativada quando é protestada pelo não pagamento de um título de crédito (nota promissória, duplicata, cheque etc), ficando seu nome anotado no Cartório de Protestos.


Ø CCF-Cadastro de Cheques sem fundos
Acontece o mesmo quando a pessoa tem um cheque devolvido duas vezes por falta de fundos, ficando anotada no CCF-Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundo.

Veja o que fazer para limpar seu nome em cada caso
• Cadastro de Cheques sem Fundo – CCF

Ê Para ter sido incluído o cheque deve ter sido devolvido sem fundos por duas vezes;
Ê Você deve, normalmente, saber qual é esse cheque, pois tem os dados de quem o recebeu (atenção: sempre que passar um cheque anote o nome e telefone da pessoa que o recebeu, além, claro, do valor e da data de emissão);
Ê Caso você não tenha anotado os dados, dirija-se ao Banco que fez a inclusão no CCF e peça o número, o valor e data de emissão e da apresentação pelas duas vezes, além dos dados do portador que o apresentou ao banco;
Ê Procure o portador para quitar o débito, exigindo o cheque original de volta;
Ê Se o portador destruiu ou perdeu o cheque, peça que ele emita uma declaração, com assinatura (firma) reconhecida em cartório de que o cheque foi pago e que ele nada mais tem a reclamar;
Ê De posse do cheque ou da declaração, prepare uma carta com os dados indicados pelo gerente de sua conta (ou preencha o formulário que ele entregar);
Ê Tire cópia do cheque que irá devolver ao banco ou da declaração e guarde;
Ê Junte o original à carta ou ao formulário e entregue ao Banco, pagando a taxa de devolução do cheque e peça cópia protocolada da carta ou formulário (o próprio banco se encarregará de enviar o pedido com o cheque para liberação ao Banco do Brasil, que é o encarregado de atualizar os dados do CCF);
Ê Peça protocolo (recibo de entrega) da carta ou formulário ao gerente.

• Título protestado
Ê Obtenha, no Cartório em que foi protestado, uma certidão com os dados do título e da pessoa que o levou a protesto;
Ê Entre em contato com essa pessoa, quite a dívida e exija dela uma carta indicando que a dívida foi paga. Nessa carta devem constar todos os dados do título e do protesto, conforme consta da certidão. Por exemplo, tipo de título (nota promissória, duplicata, cheque etc.), data da emissão, valor, data do protesto, n.º do Cartório de Protesto (quando na cidade existir mais de um), nome do apresentante etc.
Ê Essa carta deve ter firma reconhecida da pessoa que a assinou;
Ê Tire cópia da carta já com firma reconhecida e guarde;
Ê Volte ao Cartório de Protestos, apresente a carta e peça o cancelamento da anotação;
Ê Peça nova certidão que aponte que seu nome está limpo e guarde.
• SPCs e Serasa
Esses prestadores de serviços, que são públicos por força de Lei como falei, arquivam dados negativos informados pelos fornecedores em geral: comerciantes, instituições financeiras, prestadores de serviço etc. Nesses arquivos são feitos registros de dívidas vencidas, mesmo que você não tenha sido protestado ou cobrado judicialmente.
Tecnicamente, quando você quita uma dívida, os credores que anteriormente tinham indicado seu nome, devem informar tais serviços para que seu nome seja retirado do cadastro. Se isso não for feito, procure imediatamente um órgão de proteção ao consumidor ou um advogado de confiança.
Todavia, para evitar maiores dissabores, sempre que você quitar uma dívida, exija a retirada de seu nome e, no caso de cancelamento do protesto de título, para garantir que seu nome seja limpo, tire cópia autenticada da certidão negativa do respectivo Cartório de Protesto e protocole pedido junto ao serviço de proteção ao crédito, exigindo o cancelamento da anotação. Caso não consiga o resultado adequado, procure um órgão de defesa do consumidor ou um advogado de confiança.
• Os acordos
Saiba que, quem estiver negativado e renegociar a dívida com o credor, pode exigir a retirada da anotação, pois passa à condição de pagador pontual. Assim, se você fizer um acordo para composição de dívida, exija a retirada de seu nome dos cadastros.
Após firmar o termo de composição amigável ou novo contrato, aguarde dez dias e, após, certifique-se que seu nome esteja livre daquela anotação. Se não estiver, procure um órgão de defesa do consumidor ou advogado de confiança.
Por Rizzatto Nunes

15 setembro 2008

Serviço de atendimento ao consumidor e o direito à indenização.

Na semana passada, participei de um Seminário promovido pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) com apoio, dentre outros, do DPDC (Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça). Foi examinado e discutido o Decreto nº 6.523 de 31-07-08 do Presidente da República. Conforme cheguei a comentar nesta coluna, tal Decreto regulamenta os chamados SACs (Serviços de Atendimento ao Consumidor) via atendimento telefônico das prestadoras de serviços regulados, tais como empresas de telefonia, de internet, de tevê à cabo, de planos de saúde, de aviação, de energia elétrica, financeiras, de seguros e de cartões de crédito. (Quem tiver interesse na regulamentação, pode ler minha coluna de 16-06-2008 ou meu blog no site www.beabadoconsumidor.com.br).

Pergunto: precisávamos de um Decreto para que o consumidor pudesse ser melhor atendido nos SACs? A resposta é positiva, sem dúvida.

Veja esse dado. Das cerca de 70.000 reclamações que todo mês são levadas aos Procons de todo país envolvendo os SACs, aproximadamente 70% delas são resolvidas com um único telefonema feito pelo funcionário do Procon à empresa responsável! Pura incompetência administrativa do setor. Desperdício de dinheiro privado e pior, dinheiro público, porque, naturalmente, se grande parte das reclamações foi resolvida com o telefonema do órgão de proteção ao consumidor, poderia ter sido encerrada antes pelo próprio atendente do SAC.

Apesar de todo o dinheiro ganho pelas grandes corporações e também da incrível tecnologia de ponta dos tempos atuais, o consumidor continuava e continua tendo má acolhida nesses serviços de atendimento via telefone.

Mas, o Decreto que entra em vigor no dia 1º de dezembro de 2008, vai além. Ele regula não só questões de atendimento envolvendo informação, dúvida e reclamação do consumidor, como também de suspensão e cancelamento dos serviços contratados. Esses dois últimos aspectos são fundamentais porque, como parte dos telefonemas dos consumidores é para cancelar o contrato, então, o fornecedor faz de tudo para impedir que a solicitação se concretize, o que viola abertamente o direito instituído. É a prova de que a mentalidade de muitos empresários que atuam no país ainda está dezenas de anos atrasada.

Então, como a modernidade capitalista de respeito ao consumidor não chega ao Brasil, o único jeito é legislar, criando regras para que o fornecedor se atualize na marra. Aliás, o Judiciário também tem ajudado a dar um “empurrão” no setor, mas ao que parece não tem sido suficiente. Refiro-me as várias ações judiciais mandando pagar indenizações por danos morais causados ao consumidor por culpa do atendimento nos SACs.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, condenou uma companhia telefônica a pagar R$25.000,00 de indenização por danos morais causados pela falha do atendimento desse serviço telefônico. O consumidor cancelara a assinatura, pondo fim a relação estabelecida com a operadora. No entanto, apesar disso, continuou recebendo faturas com cobrança nos meses seguintes. O consumidor voltou a ligar, desta vez reclamando, mas não adiantou. A cobrança ilegal prosseguiu. Ele, então, desistiu do SAC e mandou uma carta, mas não adiantou. A emissão das faturas e as cobranças continuavam. O consumidor, sem alternativa, entrou com ação judicial requerendo que o juiz determinasse que a empresa telefônica parasse com a cobrança. O Juiz marcou audiência e nesta, o advogado da empresa se comprometeu a mandar cessar a cobrança abusiva. Mas, por incrível que pareça, a cobrança ainda prosseguiu por mais quatro meses.

Num outro caso, o Tribunal mandou a companhia telefônica devolver ao consumidor o valor que ele havia pago por ligações feitas de seu aparelho celular, que fora roubado no exterior. Logo depois do roubo, o consumidor tentou, em diversas oportunidades, contatar a empresa pelo SAC para avisar do roubo e pedir o bloqueio do aparelho. Não conseguiu. O aviso só foi dado três dias depois, mas ainda assim a operadora cobrou indevidamente o valor lançado na fatura das ligações feitas pelo ladrão!

E num outro processo, também envolvendo operadora de telefonia, o Tribunal condenou a empresa a pagar R$25.000,00 por danos morais causados por cobrança abusiva e ilegal. O drama do consumidor nesse caso teve início já na aquisição das linhas. Ele adquiriu duas, uma para si e outra para a namorada. Mas, uma das linhas não foi cadastrada na promoção oferecida pela operadora. Conclusão: começou a sina de cobranças abusivas e ligações sem fim ao SAC. No início, o consumidor coagido e com medo de ser negativado nos serviços de proteção ao crédito, pagou as faturas, apesar do valor indevidamente cobrado. E, em seguida, tentou receber de volta a quantia paga, via SAC. Não obtendo sucesso e cansado, num certo mês, não pagou e teve a linha cortada. Foi obrigado a recorrer ao Judiciário para ver sanado o abuso.

Por fim, numa outra ação judicial o Tribunal condenou a empresa a pagar R$15.000,00 por danos morais causados a uma consumidora, estudante universitária. Ela, sem dinheiro, atrasou o pagamento de duas contas telefônicas. A linha foi cortada. Depois disso, ela pagou as faturas com todos os acréscimos exigidos, mas o pessoal do SAC disse que para a religação ela teria de pagar uma outra conta que ainda iria vencer! Ela insistiu e mostrou o absurdo de exigirem o pagamento antecipado da conta e disse que precisava da linha para pode usar a internet, pois tinha de entregar um trabalho escolar, mas não lhe foi dada nenhuma atenção. Ela ficou sem a linha até chegar o dia do vencimento da conta futura e só depois desse outro pagamento é que a mesma foi reconectada.

São muitos os casos parecidos e certamente há dezenas, centenas de consumidores lesados que não foram ao Judiciário. O que chama atenção, é que não era para ser assim. Das duas uma: há má-fé das empresas que preferem continuar abusando, porque talvez isso traga alguma vantagem financeira (o lucro compensa a perda) ou a competência administrativa demonstrada na oferta (com marketing e publicidade de primeira, tecnologia de ponta etc) não chega ao setor de suporte e atendimento.

Uma das grandes virtudes do Decreto que regulamenta o serviço de atendimento do SAC é a da facilitação da prova que o consumidor terá de fazer numa eventual ação judicial por danos causados. O modo como os SACs serão organizados e terão de funcionar, com registros das conversas e entrega de documentação ao consumidor, será uma boa arma a favor do consumidor. Uma outra virtude será a de fazer com a as empresas invistam no setor, treinando adequadamente seus empregados ou cobrando o mesmo dos terceirizados porque só assim os serviços de atendimento nos SACs melhorarão.

E, claro, se atender mal era uma vantagem deixará de ser. É o que todo consumidor espera.

Por Rizzatto Nunes

08 setembro 2008

Venda casada é proibida: veja o que fazer.

É impressionante ver como há empresários que se especializam em burlar as leis de proteção ao consumidor com o único e exclusivo objetivo de auferir lucro, mas uma espécie de lucro exagerado, sem fim. A ganância é mesmo uma das bases do sistema capitalista contemporâneo. E, atualmente, os maiores violadores do sistema são exatamente aqueles que não precisariam faze-lo, pois seus ganhos são por demais excessivos.

• Abuso exagerado e repetido
Lembremos um caso que já tive oportunidade de contar e que atinge muita gente: o zelador de um prédio de meu bairro foi a uma agência bancária solicitar um empréstimo de apenas R$500,00. Pediram-lhe toda a documentação de praxe e ele a levou. Aprovado o empréstimo, trouxeram-lhe o contrato e também outro documento para assinar: tratava-se de um seguro residencial. O zelador, então, disse que nem casa ele tinha, pois morava com sua família no apartamento pertencente ao condomínio.
Não adiantou: o funcionário do banco disse que para receber o empréstimo ele tinha que fazer o seguro. E, olha, não foi pouca coisa. Para um empréstimo de apenas R$500,00 “enfiaram-lhe pela goela abaixo” (desculpem-me a expressão, mas ela é adequadíssima) R$64,20 ou o equivalente a 12,84% do total emprestado!
Esse episódio, tão corriqueiro como, infelizmente, qualquer assalto a mão armada em plena rua de uma cidade grande, nos joga na cara esse lado estranho da condição humana que criou a hipocrisia e mais ainda o cinismo. Lendo-se a apólice de seguro, percebe-se a farsa, a comédia e a tragédia. Nosso zelador-consumidor (assim como qualquer um de nós) vive oprimido pelo abuso que as grandes corporações do capitalismo dito neo-liberal (descontrolado) lhe impinge. Ele, morador de um apartamento dentro do condomínio no qual trabalha, acabou fazendo seguro contra “queda de raio” com coberturas contra “vendaval e fumaça” !

• Falta de consciência
Sempre que vejo abusos desse tipo, me vem a mente não só a imagem do empresário aproveitador, mas também a do funcionário que executa suas ordens. No caso do zelador, foi um empregado do banco que lhe impingiu o contrato de seguro abusivo. Esse mesmo empregado, que sabe muito bem que está abusando de um cidadão, ele próprio é também consumidor e certamente será enganado em algum lugar: numa loja, numa indústria, pelo serviço de transporte ou telefônico etc e por um banco! É, podemos dizer, uma falta de consciência de que todos somos consumidores.
É essa falta de consciência que faz com que no telemarketing ativo o atendente viole a tranqüilidade do consumidor em seu lar e, muitas vezes, o engane com ofertas miraculosas; ou no telemarketing passivo (que acaba de ser regulamentado), quando o atendente nega-se a fazer o cancelamento solicitado etc.
A ironia é que neste mercado que só conhece o lucro, todos esses “pequenos infratores” a mando de seus patrões violam o direito de outras pessoas no horário de seu trabalho, mas assim que vão às compras são também enganados e violados.
E não é só: pela via da publicidade (essa ponta de lança do marketing) vai se criando mitos nos quais o consumidor acredita e embarca para sofrer mais prejuízos. Vou referir um: o de que o gerente do banco oferece o melhor investimento ao cliente. Ora, se o consumidor tiver dinheiro para investir, a melhor alternativa é ele mesmo buscar informações antes de faze-lo, pois se ele perguntar para seu gerente, a resposta levará em consideração em primeiro lugar o interesse do banco-patrão; em segundo lugar o interesse do próprio gerente que tem metas a cumprir. O único interesse real do banco é reter e investir o dinheiro do consumidor, mas sempre cobrando dele a melhor taxa e no investimento que trará o maior retorno possível (para o banco!). A organização bancária ao criar o sistema de metas para os gerentes dá alguma liberdade a ele, mas sinalizando para que certos produtos sejam vendidos. Daí, o gerente, sem alternativa vai oferecendo ao consumidor o que precisa vender e não o que há de melhor ao cliente. É normal. Trata-se de capitalismo.
De todo modo, é importante saber que, ao menos na questão da operação casada, a lei a regulou e o consumidor pode se proteger, conforme mostro a seguir.


• A operação casada é proibida

A chamada operação casada ou simplesmente venda casada é uma imposição feita pelo fornecedor ao consumidor. Ela se dá quando o vendedor exige do consumidor que para ele comprar um produto tem que obrigatoriamente adquirir outro (o mesmo se dá com os serviços).
Algumas dessas operações são bem conhecidas. Dentre elas estão certas imposições feitas por bancos para abrir conta ou oferecer crédito, como, por exemplo, somente dar empréstimos se o consumidor fechar algum tipo de seguro (residencial como o do zelador ou seguro de vida). Outro exemplo é o do comerciante que só serve a bebida no bar se o consumidor comprar um prato de acompanhamento etc.
Alguns cinemas estão também operando ilegalmente quando deixam que o consumidor entre na sala de exposições com comidas compradas no próprio local (sacos de pipocas, refrigerantes etc), mas impedem que ele leve consigo o produto comprado fora do local ou que tenha levado de casa. O expositor pode até impedir que todos entrem com comida, mas se permite que ela seja consumida após adquirida ali mesmo, não pode impedir que o consumidor a traga de fora. É uma prática abusiva casada às avessas, pois quer forçar o consumidor a comprar os produtos vendidos no local.
Esse tipo de operação pode também se dar quando o comerciante impõe quantidade mínima para a compra.
• O que fazer
Dependendo do tipo de operação, você pode aceitar a imposição e, em seguida, anular parte dela. Por exemplo, se for caso de banco que exige que você faça um seguro para obter um empréstimo, você pode primeiro obter o empréstimo e, depois, cancelar o seguro. A solução, no caso, é mandar uma carta/notificação tratando do abuso e cancelando o seguro (você pode obter um modelo de carta no site www.beabadoconsumidor.com.br). E, claro, pode fazer uma reclamação no Procon.
Se for daqueles bares que não deixam você sentar sem beber, então o jeito é ir embora e depois denunciar o estabelecimento aos serviços de proteção ao consumidor.

• Aja rápido
Você deve estar atento para perceber se fazendo o negócio, a parte abusivamente imposta pode ser resolvida separadamente. Use a carta/notificação para tanto. Se não der certo, procure o órgão de defesa do consumidor ou advogado de confiança.

• Operação casada legítima
Apesar da proibição, existem exceções para algumas operações casadas.
É que certas exigências casadas são legítimas, dentro de critérios razoáveis. Assim, por exemplo, o comerciante pode se negar a vender apenas a calça do terno, por motivos óbvios. Da mesma maneira, o industrial pode embalar o sal em pacotes de 500 g, mesmo que o consumidor queira adquirir apenas 200 g etc.

Por Rizzatto Nunes

01 setembro 2008

Os contratos bancários nos Tribunais.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou a Lei nº 11.672, que é conhecida como a lei dos recursos repetitivos, e determinou a suspensão dos casos em tramitação que envolvem uma importante área do direito: a dos contratos bancários, um dos mais expressivos em termos de volumes de ações judiciais e também de dinheiro envolvido.
Pelo sistema dessa lei, deverá haver suspensão dos processos em grau de recurso julgados pelos Tribunais estaduais e federais de todo o país (Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais) que envolvam os contratos bancários. O intuito da lei é unificar decisões que envolvam idêntica questão de direito, isto é, ela pretende que se trate de modo uniforme os múltiplos recursos que cuidem do mesmo tema jurídico-legal. No caso, trata-se das discussões envolvendo os juros dos empréstimos (chamados de remuneratórios), o da capitalização desses juros, a questão da mora pelo atraso no pagamento, a cobrança da comissão de permanência, da multa etc.
Esses temas têm sido discutidos nas milhares de ações existentes. Alguns deles foram analisados e tornados praticamente indiscutíveis, como por exemplo, o que trata da multa pelo atraso nas prestações que não pode ser superior a 2%, até porque previsto expressamente no Código de Defesa do Consumidor. Outros, todavia, preocupam, uma vez que, apesar de toda a luta dos consumeristas, ainda remanesce muita divergência e dependendo do que for decidido pode haver muitas perdas para os consumidores.
Dentre esses, tratarei dos juros dos empréstimos. A pergunta que se faz é: eles podem ou não ser capitalizados? A diferença da resposta entre o sim e o não pode literalmente, em alguns casos, significar a salvação ou a bancarrota do consumidor.
Como se sabe, a taxa dos juros dos empréstimos, financiamentos, cheque especial etc podem ser calculados de forma linear (não cumulativa) ou de forma capitalizada (calculados os juros atuais sobre os anteriores, cumulativamente). Em períodos longos, a diferença entre os dois modos de calcular os juros é realmente extraordinária.
Muito bem. Os Tribunais brasileiros têm afastado a capitalização e os bancos sempre lutaram para implementá-la. Dada a notícia da decisão da suspensão dos processos que envolvem o tema dos contratos bancários pelo STJ, logo houve pronunciamentos dizendo que o STJ já decidiu que a capitalização dos juros pode ser feita, a partir da edição da Medida Provisória (MP) 2.170-36 de 23-08-2001, desde que expressamente prevista no contrato. É verdade. No entanto, quero demonstrar outro aspecto dessa MP que não pode passar despercebido, inclusive por parte daqueles que irão se manifestar junto ao STJ, tais como a Ordem dos Advogados do Brasil ou o IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.
Falo de um aspecto específico relativo ao nascimento da MP referida e que, na parte do regramento da possibilidade de capitalização dos juros é ilegal e, via de conseqüência, inconstitucional.
A questão é a seguinte: A citada Medida Provisória viola a Lei Complementar (LC) nº 95/98 e, conforme demonstrarei, por isso não pode ser utilizada nesse ponto da capitalização. Com efeito, a LC 95 é verdadeira lei geral de elaboração e consolidação das leis no Brasil, conforme dispõe seu art. 1º: ”A elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis obedecerão ao disposto nesta Lei Complementar. Parágrafo único. - As disposições desta Lei Complementar aplicam-se, ainda, às medidas provisórias e demais atos normativos referidos no artigo 59 da Constituição Federal, bem como, no que couber, aos decretos e aos demais atos de regulamentação expedidos por órgãos do Poder Executivo”.
Editada em 26 de fevereiro de 1998, um de seus objetivos principais era, como é, o de evitar o que se acostumou apelidar de “engodo do legislador”, que pretendendo regular um assunto, colocava “escondido” dentro da uma lei, um outro assunto totalmente desconectado.
Veja o que diz seu art. 7: “O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios: I - excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto; II - a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão; III - o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de forma tão específica quanto o possibilite o conhecimento técnico ou científico da área respectiva; IV - o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subseqüente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa”.(grifei).

Pois bem, pergunto agora qual o objeto da MP 2170-36? Veja você mesmo: "Art. 1º. Os recursos financeiros de todas as fontes de receitas da União e de suas autarquias e fundações públicas, inclusive fundos por elas administrados, serão depositados e movimentados exclusivamente por intermédio dos mecanismos da conta única do Tesouro Nacional, na forma regulamentada pelo Poder Executivo”.
Aliás, é exatamente o que diz sua epígrafe: “Dispõe sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, consolida e atualiza a legislação pertinente ao assunto e dá outras providências”.
É uma MP que tem apenas oito artigos e feita para cuidar da caixa do Tesouro Nacional. Mas, eis que de repente, escondido, entre esses artigos aparece o art. 5º caput que, perdido no contexto, diz: “Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano”.
Ora, o art. 5º da MP acabou regulando matéria completamente diversa da fixada pela própria MP, permitindo a capitalização de juros no Sistema Financeiro Nacional. Está, pois, evidenciada a ilegalidade do processo legislativo que a produziu. Portanto, esse art. 5º padece de vício de inconstitucionalidade na parte que não cumpre a determinação da Lei Complementar 95/98, razão pela qual não há que se falar em possibilidade de capitalização dos juros.
Lembro em complemento que, o que vige em matéria de juros remuneratórios é o art. 591 do Código Civil que só permite sua capitalização anual.
Por fim, anoto que o Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu que, realmente, o art. 5º da MP 2170-36 não tem validade por vício no processo legislativo (Para quem tiver interesse, o acórdão está publicado na íntegra no site : www.beabadoconsumidor.com.br).

por Rizzatto Nunes