19 outubro 2006

Os serviços de energia elétrica: história de abuso

Ontem dei uma palestra e na saída um aluno bastante indignado me contou a seguinte história.
Há alguns meses recebeu oferta para colocar suas contas pessoais em débito automático, o que ele fez, incluindo as contas caseiras (gás, energia elétrica, telefone) e o cartão de crédito. Tudo bem, muito prático e ele continuou sua normal vida de consumidor.
Na semana passada, ele, síndico do prédio onde mora, foi chamado pelo porteiro, eis que estavam à porta dois funcionários da companhia distribuidora de energia elétrica que compareciam para cortar o fornecimento de um apartamento. Ele pediu para os funcionários subirem ao apartamento e os recebe. Para seu espanto o apartamento indicado para o corte era o dele!
Como os dois funcionários lá estavam, ele os levou até seu computador pessoal, abriu a tela do banco e – violando-se em sua privacidade – mostrou aos dois que as contas haviam sido pagas. Eles disseram: "Isso é problema seu com o banco. Temos ordem para cortar e se o banco falhou, reclame com ele". O aluno, então, assustado, pois não podia ficar sem energia elétrica, já que perderia os do produtos freezer, da geladeira, e não poderia trabalhar etc (alguém pode ficar sem energia elétrica?), decidiu entrar no site da companhia, imprimiu segundas vias das contas e, na frente dos funcionários, via internet, quitou as parcelas novamente. Mas, de nada adiantou, pois o corte foi feito.

Bem, saiba você leitor, que não há nenhum novidade nisso. O que chama atenção é a arrogância, o abuso e a intolerância da companhia representada por seus funcionários. Diante de uma conta paga e de outra paga novamente na frente do funcionário, pelo sistema instituído pelo parceiro do prestador de serviço, o banco, o executor cria o dano sem qualquer fundamento. Abaixo falou um pouco da ilegalidade do corte, mas o que é impressionante no episódio é o fato de que não se tratava de cobrança de dívida ou não entrega do serviço ao inadimplente, mas pura e tão somente vingança e maldade: o dano pelo dano.
A ilegalidade do corte está bem colocada em várias decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo. Cito como exemplo as duas que coloquei nas últimas notícias do site. Uma delas trata de corte por simples inadimplência e a outra cuida de corte por cobrança de dívida pretérita imputada ao consumidor.

Lembro que mesmo para aqueles que aceitam o corte por inadimplemento, que as companhias não têm mais mandado os avisos prévios; têm inserido o texto nas próprias contas-faturas de energia, o que, por vezes, passa despercebido pelo consumidor e, claro, passa mais despercebido ainda quando o consumidor se utiliza dos débitos automáticos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Professor, Parabéns por mais essa iniciativa (blog) em prol da dialética jurídica consumerista. Estamos diante de mais um caso de arbitrariedade por parte das fornecedoras de energia. Recentemente, patrocinamos uma ação indenizatória cujos fatos ocorreram da mesma forma, motivo pelo qual requeri indenização por danos morais e materiais. Estes, em razão de danos ocorridos nos computadores da residência, que se encontravam ligados e uma vez solicitado alguns minutos para que fossem desligados, os funcionários, arrogantes e prepotentes, simplesmente disseram que "não dariam tempo". Interessante neste caso o fato de termos obtido uma resposta da ouvidoria da empresa-fornecedora, desculpando-se pelos danos, pelo erro e por não ter avisado sobre o corte antecipadamente, oferecendo indenização no importe de 20% do valor da próxima conta. Obviamente, orientamos o consumidor a recusar e ajuizamos a competente ação perante o JEC. Instada a se manifestar, a empresa-fornecedora contestou alegando que (pasmem!) "o consumidor havia sido informado". Significa dizer: não tiveram o cuidado de ler a inicial e os documentos juntados, tratando-o como mais um processo dentre tantos ajuizados contra a empresa. Ressaltamos, em audiência, a juntada do documento elaborado pela ouvidoria. Em suma: A ação foi julgada procedente, condenando ao pagamento do valor máximo permitido (40 sm), acrescido de outros 40 sm , com fulcro no art. 6 da Lei 9.099 -, acresido, ainda, de 1% litigância de má-fé, determinando expedição de ofício ao MP, para apurar a conduta da empresa. Recorreram. E a luta continua...